O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

gilberto.cortes@jb.com.br

O OUTRO LADO DA MOEDA

Os dois lados do Imposto de Renda

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Publicado em 19/03/2025 às 15:57

Alterado em 19/03/2025 às 15:58

Hugo Motta exagerou no 'mídia-training' Foto: Câmara dos Deputados

Em complemento à Reforma Tributária, que entra em vigor em 2027 e simplifica e reduz a carga de impostos sobre o consumo, o governo Lula, através do Ministério da Fazenda, apresentou ontem o Projeto de Lei 1087, a ser enviado pelo presidente Lula ao Congresso, que tem como objetivo isentar pessoas com rendimentos até R$ 5.000 e promover pequena redução de tributação sobre rendimentos entre R$ 5.000 e R$ 7.000. O custo desta medida, segundo o governo, será de R$ 5 bilhões para 2025 e de R$ 25,84 bilhões em 2026, ou R$ 30,84 bilhões somados.

Para contrabalancear estes impactos, será criada uma tributação de altas rendas (imposto sobre a renda das pessoas físicas mínimo - IRPFM), incluindo a taxação de dividendos no Brasil e no exterior, com impacto estimado pelo governo de R$ 34,12 bilhões. A LCA Consultores detalhou os impactos de ambas as medidas, de redução de impostos para cerca de 10 milhões de pessoas, e de elevação de tributação para pouco mais de 140 mil pessoas no topo da pirâmide de renda.

A estranha posição de Hugo Motta

Do ponto de vista da justiça fiscal, a medida parece impecável e segue na linha de incluir o pobre no Orçamento Geral da União (OGU) e o rico no Imposto de Renda (no ano passado acabou a isenção fiscal para os bilionários fundos de investimento individuais e os milionários, em dólar, fundos “off-shore”, em paraísos fiscais). Mas o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que parece ter feito um capítulo especial no seu “mídia-training”, para ter desembaraço em entrevistas e atos públicos, ficou com certa fixação no jargão “ajuste fiscal”. No lançamento da medida, disse que a Câmara examinaria a proposta visando o “ajuste fiscal”. Lula, rapidamente, leu nas entrelinhas e disse que “o Congresso é sempre bem-vindo para aperfeiçoar propostas, não para piorá-las”.

Ajuste fiscal é a compatibilização das despesas com as receitas, para evitar a perda de neutralidade na política fiscal. No ano passado, contra todas as previsões de estouro das metas do déficit público primário (receitas menos despesas sem incluir os juros da dívida pública), as contas fecharam com déficit de R$ 47,6 bilhões (0,4% do PIB), considerando pagamento de R$ 30 bilhões em precatórios caloteados desde 2021 pelo governo Bolsonaro. Houve gastos de quase R$ 30 bilhões em socorro ao Rio Grande do Sul, mas eles ficaram fora do cálculo do OGU.

Mas a escalada dos juros da Selic (que deveria ter fechado o ano em 9% ao ano, mas parou de cair em maio e fechou o ano em 12,25%) estourou todas as projeções das contas nominais dos juros e desacelerou a economia (e a arrecadação no 2º semestre). A Selic segue em alta hoje, quando o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) decide o aumento de 1%, contratado desde dezembro, elevando a Selic a 14,25% ao ano, e pode indicar os passos das reuniões de maio e junho. O mercado está dividido, se a escalada atinge o pico em 18 de junho ou em 30 de julho, com o consenso de queda no 2º semestre. Mas o dólar opera em nova queda com a menor cotação desde meados de outubro do ano passado, cotado a R$ 5,6520 ao meio-dia.

A estranha posição de Hugo Motta deriva do fato de que o grande desequilíbrio da economia – desde o ano passado - vem das taxas de juros, que estão rendendo, líquido, mais de 1% ao mês desde dezembro e devem continuar neste patamar até fins de 2026. Como é sabido, o maior ganho dos rentistas está concentrado em aplicações financeiros dos que ganham mais de R$ 5 mil mensais (a faixa que será isenta do Imposto de Renda). E a premissa do presidente da Câmara, para a defesa do princípio do ajuste fiscal, tenta evitar a tributação dos dividendos e juros sobre capital dos 141 mil brasileiros mais ricos, que são donos ou sócios de empresas, mas não consegue esconder a fixação para cortar programas sociais.

Em outras palavras, para garantir a rolagem de R$ 1 trilhão em juros (incorporados aos novos títulos da dívida pública), Motta sugere cortes nos benefícios sociais. Se ainda desse o exemplo, prometendo corte em despesas de mordomias dos congressistas e, sobretudo, no Orçamento Secreto, ainda teria alguma legitimidade.


OLM

 

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