O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

gilberto.cortes@jb.com.br

O OUTRO LADO DA MOEDA

Tarifaço de Trump reforça moeda dos BRICS

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Publicado em 03/04/2025 às 13:25

Alterado em 03/04/2025 às 13:25

Bandeiras dos países do Brics Foto: divulgação/Brics

O derretimento do dólar diante das principais moedas foi o resultado imediato do tarifaço do governo americano, anunciado ontem pelo presidente Donald Trump nos jardins da Casa Branca como “O Dia da Libertação dos Estados Unidos”. Às 11:40 (horário de Brasília), o euro subia 2,33% ante o dólar e a libra esterlina avançava 1,25% frente ao dólar, que caía 2,55% ante o iene e 3,00% ao franco suíço. O real valorizava mais de 1,7%, cotação de R$ 5,5970 por dólar, a menor desde 10 de outubro. Mas o peso argentino caía 0,15%

As bolsas de valores despencaram, assim como as cotações das commodities – expressas em dólar: o barril do petróleo tipo Brent caía 7% a US$ 69,60 para o contrato de entrega em junho; o ouro caía 0,525, o contrato C do Café em Nova Iorque cedia 1,88%, o do algodão tinha queda de 4,42%, o de suco de laranja tinha baixa de 6%, o de boi gordo perdia 0,90% e o de soja -0,91%.

Brasil escapou do pior

Além o resultado imediato – que, aparentemente, não foi tão ruim para o Brasil, atingido por uma tarifa média de 10% nas suas exportações (mantidas as tarifas mais elevadas para aço, alumínio e automóveis) – a perda de confiança nos EUA como parceiro comercial pode levar à maior concentração de negócios entre os demais parceiros e impulsionar o abandono do dólar como moeda de referência nos contratos comerciais.

Um dos efeitos colaterais imediatos da desorientação dos “traders” nos mercados de ações, moedas e commodities, com o predomínio das baixas, pode ser um esfriamento das pressões inflacionárias nos preços dos alimentos neste mês de abril (em março, as indicações dos IPCs são de mais pressão).

Moeda comum dos BRICS

A discussão de uma moeda comum – a exemplo da criação do euro, em 1991 - entre os países do BRICs, pode ganhar grande impulso na reunião anual de 6 e 7 de julho no Rio de Janeiro, sob a presidência de Dilma Roussef. O BRICs era, originalmente, composto por Brasil, Rússia, Índia e China. O s virou S com o ingresso posterior da África do Sul.

O bloco tem hoje 11 membros, com a inclusão da Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã. No ano passado, cerca de 30 países pediram ingresso no grupo (o ingresso exige consenso) e ficaram como membros assistentes Belarus, Bolívia, Cuba, Cazaquistão, Malásia, Tailândia, Uganda e Uzbequistão.

BRICS levam mais de 50% das exportações brasileiras

A participação dos Estados Unidos nas exportações brasileiras fica em torno de 14%, regulando com a União Europeia, (o Mercosul tem 8,5% e a América do Sul é destino de 12% das vendas). Mas os EUA são importantes porque absorvem a maior fatia de produtos manufaturados ou semielaborados (aviões, aço, alumínio, papel e celulose e madeira serrada) e do agronegócio (café, açúcar, suco de laranja, carne bovina e, agora, ovos de galinha).

A taxação de 10% afeta aviões e o agronegócio (mas os EUA não detalharam a lista do Brasil). Aço, alumínio e automóveis foram recém taxados em 25%. Cabe espaço para a negociação bilateral. Como no governo Geisel, quando os EUA taxaram mel e tesourinhas, o Brasil ameaçou restringir as cotas de exibição de filmes americanos no Brasil. E o lobby de Hollywood atuou a favor do Brasil, barrando a taxação no Congresso. Agora, além dos filmes no cinema, há o imenso mercado de “streamings” para entrar na mesa de negociação.

O grande mercado do Brasil é a China, que absorveu 28% das exportações no ano passado. Considerando o Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Índia, Malásia, Tailândia, Vietnã, Irã, Egito, Etiópia, África do Sul, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã, as vendas ultrapassam 50% das exportações brasileiras. Por isso, é importante examinar o efeito colateral das tarifas de Trump sobre os países asiáticos. Se suas exportações para os EUA podem contrair, as compras de mercadorias do Brasil (agronegócio, petróleo e minérios) também podem encolher. A menos que se intensifiquem as compras de bens que perderem mercado nos EUA.

Neste sentido, daqui a três meses a mesa de negociações do BRICS pode ter como tema um dos principais temores de Donald Trump: o abandono entre um bloco que domina metade do comércio mundial (e no Brasil é destino de mais de 51% das exportações), a intensificação do comércio bilateral e a adoção de uma moeda de troca comum, fugindo ao dólar, como fez a União Europeia no fim do século passado.

As apostas de Trump foram muito arriscadas. Além de interromper, como um terremoto, seguido de tsunami, as cadeias produtivas do comércio global, que pode resultar em recessão mundial, como indicamos ontem em estudo do JP Morgan e que foi reforçado hoje pelos representantes da União Europeia, as medidas podem minar a confiança na parceria com os Estados Unidos (que não respeitam a ONU e a OMC) e levar à fuga do dólar como moeda de troca.

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