O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

gilberto.cortes@jb.com.br

O OUTRO LADO DA MOEDA

Como os bancos centrais reagem às tarifas

Publicado em 17/04/2025 às 15:25

Alterado em 17/04/2025 às 15:25

O Banco Central Europeu (BCE) reagiu ao impacto contracionista do aumento geral de 10% nas tarifas de importação dos Estados Unidos, e reduziu a taxa de juros do euro em 0,25 ponto percentual para 2,25% ao ano (o sétimo corte em oito reuniões), para reativar a economia europeia. Depois das idas e vindas de suas tarifas, com recuos imediatos após os pesados estragos nos mercados, a tarifa média ficou em 10% por 90 dias, e de 145% para a China.

Já o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, diante do estrago de sua política tarifária, que interrompeu muitas cadeias de produção, criticou duramente o presidente do Federal Reserve Bank, Jerome Powel, por não baixar os juros e ainda o ameaçou de demissão (o mandato do Fed é independente do Executivo e precisa de mudança de Lei), pela cautela do Fed, que teme os impactos inflacionários das tarifas.

O desespero de Trump por ver sua estratégia de política econômica fracassar dramaticamente, comprometendo seu mandato de quatro anos, sem sinais de que pode cumprir a promessa de fazer a América Grande de novo (MAGA, em inglês), jogando pela janela seu sonho de um 3º mandato (que depende da Suprema Corte), não o deixa ver que as decisões do BCE e do Fed são as duas faces da mesma moeda: as reações lógicas à insana escalada tarifária.

O BCE levou os custos dos empréstimos aos bancos ao menor nível desde o início de 2023, porque o controle da inflação na União Europeia já estava em curso desde 2024 e com as restrições à entrada de produtos europeus no mercado americano a economia local precisava de estímulos. Foi o que também fez o Banco do México. Com o país atingido pelas restrições à entrada de seus produtos agrícolas e industriais nos EUA, o Banxico já baixou os juros de 9,50% para 9,00% ao ano, para estimular a economia.

Pois a situação da economia americana era exatamente a oposta. No final da gestão de Joe Biden, a economia estava acelerada e a inflação em alta. A deportação em massa de imigrantes (ilegais ou não – na ótica de Trump a maioria era ilegal) tem impacto inflacionário e a escalada de tarifas, mais ainda. Isso contraria os planos da MAGA e, sobretudo, seus negócios imobiliários, que precisam recuperar valor com a economia crescendo e a juros baixos.

Visão de Powell não bate com a de Trump

Powell alertou na quarta-feira que o Fed pode enfrentar uma compensação difícil, já que as tarifas aumentam os preços e enfraquecem a economia e destacou a importância de evitar que as tarifas causem um aumento persistente na inflação. Para isso, a autoridade monetária deve manter as expectativas de inflação de longo prazo bem ancoradas e garantir que um aumento pontual nos preços não se transforme em um problema contínuo. Neste sentido os diretores do Fed devem equilibrar suas responsabilidades de promover o máximo emprego e preços estáveis, sem pressa para alterar a taxa de política de referência. E mencionou que os objetivos do mandato do Fed, de garantir o máximo de emprego e crescimento e o controle da inflação, num cenário desafiador, estejam em tensão.

Ou seja, a visão de cautela a médio e longo prazo do Fed irritou a Trump, que não se conforma com o rápido fracasso de seus planos. Em uma publicação nas redes sociais na quinta-feira, o presidente Trump insinuou uma possível demissão do líder do banco central (há um mandato fixo e lei do Congresso, como no Banco Central do Brasil, desde a Lei 129, de fevereiro de 2021): "A demissão de Powell não pode vir rápido o suficiente!", dizia a publicação. Trump disse que Powell "está sempre TARDE DEMAIS E ERRADO" e deveria estar cortando as taxas de juros junto com outros bancos centrais.

Itaú vê um quadro complexo

Em cenário sobre a economia mundial, publicado ontem à noite, o Departamento de Estudos Macroeconômicos do Itaú, considerou que o “aumento de tarifas (e incertezas) é um choque negativo para o cenário global”. O banco espera queda no crescimento econômico dos EUA: (1,2% em 2025 e 1,0% 2026, de 2,0% anteriormente) e inflação mais alta (+150-200bps) que leva a cortes limitados do Fed (dois de 25 bps em 2025 e outros dois da mesma magnitude em 2026 para 3,25-3,5%), com riscos de uma inflação mais alta e persistente que levaria a menos cortes de juros.

Para a Europa, acredita que “os estímulos fiscais e monetários conseguem contrabalancear choques de tarifas”. O banco manteve a projeção de crescimento em 0,8% para 2025 e 1,5% para 2026. E espera o euro mais apreciado (1,10 vs. 1,08 anteriormente) em meio a maiores preocupações com a economia americana.

Quanto à China, “revisamos nossa projeção de crescimento de 4,5% para 4,2%, diante do aumento significativo de tarifas, ainda que considerando alguma negociação com os EUA. A postura dos governantes segue reativa e estímulos só devem ser anunciados após desaceleração clara da atividade.

E a América Latina segue “lidando com crescentes desafios externos”.

As projeções para os juros nos EUA

O Itaú alerta para um risco em relação ao cenário, que “é a incerteza continuar em níveis muito elevados e impactar ainda mais negativamente o crescimento americano (e consequentemente o cenário global). Além disso, será importante acompanhar possíveis desdobramentos não-tarifários da guerra comercial, como a chance de sanções sobre ativos chineses nos EUA, assim como a venda deliberada de ativos americanos por investidores estrangeiros, como antecipação às medidas mais radicais”.

Para o Fed, o Itaú espera dois cortes de 25 bps em 2025 e outros dois de mesma magnitude em 2026, levando os juros para 3,25-3,5%. O Fed deve buscar conciliar um cenário de redução do crescimento e aumento do desemprego com um choque inflacionário significativo com os cortes projetados dependendo da avaliação do grau de transitoriedade da inflação.

Apesar da cautela de Powell, os investidores americanos continuaram a apostar que a Fed Fund rate será reduzida em todas as reuniões do FOMC a partir de junho, ou seja, cinco cortes de 0,25 ponto percentual. Já a LCA Consultores é mais cautelosa e projeta “um impacto na inflação em torno de 1 ponto percentual o que resultaria numa variação do núcleo do PCE em torno de 4,0% neste e que se desaceleraria no próximo ano. Assim, a Fed Fund rate seria reduzida em três ocasiões neste ano”.

O efeito no Brasil

O Itaú está prevendo que a inflação vai fechar o ano em 5,50% - um ponto acima do teto da meta de inflação, de 4,50%, mas o PIB deve crescer apenas 2,2% (após 3,4% em 2024), as exportações podem gerar saldo de US$ 76 bilhões (US$ 75 bilhões em 2024). Diante das pressões inflacionárias, o Banco Central elevaria a taxa Selic até 15,25% ao ano (um ponto acima da atual) e isso faria o dólar fechar o ano em R$ 5,75 – mesmo nível esperado para dezembro de 2026.

Com o juro mais alto (fechando em 13,25% em 2026), o IPCA cairia para 4,40% (dentro do teto da meta) o PIB teria pior desempenho em 2026, com expansão de apenas 1,5%, e a taxa de desemprego, que fechou em 6,6% em 2024, subiria para 6,8% este ano e se elevaria a 7,3% no ano eleitoral de 2026.

O impacto na China

“Na China – que absorve atualmente mais de 30% das exportações brasileiras – “mesmo com um acordo que reduza a tarifa efetiva com os EUA dos atuais 104% em vigor para cerca de 60%, as exportações do país para os EUA ficam virtualmente inviáveis. Desde a 1ª guerra comercial, vemos evidência de triangulação comercial como forma dos produtos chineses evitarem o aumento de tarifas e as restrições impostas pelos EUA”.

Dessa vez, acreditamos que alguma triangulação é possível, mas que será de menor intensidade, dado que eventuais acordos comerciais podem envolver restrições para produtos com participação chinesa. Com isso, revisamos nossa estimativa de impacto negativo do choque comercial de 1,0 p.p. para 1,8 p.p. do PIB”. Ou seja, a desaceleração da economia brasileira é reflexo do embate China X EUA.

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