
O OUTRO LADO DA MOEDA
Juros geram brutal transferência de renda
Publicado em 29/04/2025 às 17:02
Alterado em 29/04/2025 às 18:43
A B3 realiza amanhã importantes leilões de concessões de infraestrutura nas áreas ferroviária, rodoviária e de portos que, embora tenham prazos de 30 a 50 anos, enfrentam, de imediato, a contradição dos altos juros vigentes no mercado (a taxa Selic, piso do mercado financeiro, está em 14,25% ao ano e deve ser elevada em 7 de maio para 14,75% ou 15,00%). Trata-se de um rendimento incompatível com as taxas internas de retorno (TIR) embutidas nos projetos de concessão (na faixa de 11% a 12%).
As projeções do mercado indicam que a Selic feche 2025 entre 15,00% e 15,25%, e caia para 12,30% a 13,25% em 2026, para 10,50% em 2017 e para 10% em 2028. Sem correr riscos, uma aplicação no Tesouro Direto dá quase o mesmo retorno do que os investimentos. Por isso, no leilão de duplicação da BR-40 na Serra de Petrópolis, dos cinco consórcios inscritos, dois desistiram de entregar os documentos de habilitação no dia 25 de abril. Além da Carioca Engenharia, desistiu o consórcio 4UM (integrado pelos bancos Opportunity, BTG, a francesa Vinci e a CCR). Os banqueiros foram os primeiros a desistir.
Restaram no certame que prevê investimentos de R$ 5 bilhões e uma TIR de 11,17%, o novato EPR (consórcio Equipav-Perfin) e as espanholas Sacy, com contratos de concessão rodoviária no Sul do país e que participa de obras do metrô de São Paulo, e a OHLA (antiga OHL), de triste participação na BR-101, no trecho Niterói-Espírito Santo, através da concessionária Arteris, que abandonou, em 2020, na gestão de Tarcísio de Freitas no Ministério da Infraestrutura, a duplicação do trecho inicial da Niterói-Manilha (fonte de grandes engarrafamentos em véspera de feriadões, como o 1º de maio).
Por coincidência, as obras na Serra de Petrópolis foram interrompidas quando Tarcísio era diretor do DNITT e o imbróglio não foi resolvido nos quatro anos do governo Bolsonaro. Nos portos, dois terminais vão aumentar em 25% a capacidade de exportação de soja pelo porto de Paranaguá (PR) e uma nova área de movimentação de contêineres no porto do Rio de Janeiro. Já o leilão da Estrada de Ferro 118, que ampliaria a capacidade de escoamento de minérios e grãos pelos portos de Vitória (ES), tem previsão de extensão e modernização do ramal até o porto do Açu, em São João da Barra (RJ).
BC vê impacto de juros em PJ e famílias
Ao analisar, no Relatório de Estabilidade Financeira do 2º semestre de 2024, o impacto da alta de juros, iniciada em setembro, quando a Selic estava em 10,50%, desde maio, o Banco Central reconheceu que “a despeito do dinamismo da economia doméstica, a capacidade de pagamento de famílias e empresas segue desafiadora. Mesmo com o crescimento do emprego e da renda, o comprometimento de renda das famílias encontra-se historicamente alto e em ascensão” (...) ”em praticamente todas as faixas de renda. Já “as empresas estão com alavancagem alta capacidade de pagamento pressionada pelo aperto das condições financeiras”, diz o BC, para quem “o atual ciclo de aumento da taxa de juros terá forte impacto para as empresas não financeiras, porém mais moderado que na recessão de 2015-2016”.
Um levantamento do escritório Álvarez&Marsal projeta que as empresas vão transferir R$ 126 bilhões a mais de juros (com a recente escalada) até 2030. Só este ano, o escritório especializado em processos de Recuperação Judicial, estima em R$ 26 bilhões o adicional em juros. No caso das famílias, cuja média de taxas de juros é a mais alta cobrada pelo Sistema Financeiro Nacional, não seria exagero estimar em mais de R$ 200 bilhões o custo extra.
Para as MPMEs, o relatório diz que o nível de empresas negativadas é um sinal de capacidade de pagamento em momento ainda desafiador, especialmente para as de micro e pequeno porte, “afetadas mais rapidamente por terem uma rolagem mais curta de suas dívidas, o que impacta diretamente o aumento das suas despesas com juros”
O Banco Central informou em fevereiro, quando a Selic estava em 13,25% ao ano, que cada aumento de um ponto percentual nos juros gera despesa extra de R$ 54 bilhões para o Tesouro Nacional ao longo de 12 meses. Na projeção para 2025 (feita em abril de 2023), a Selic fecharia este ano em 8,50%. Como tende a fechar entre 15% e 15,25%, isso representa pelo menos sete pontos, ou um acréscimo de R$ 380 bilhões. Apropriados pelos bancos e os mais ricos, numa brutal e concentradora transferência de renda.
Impacto nas famílias
“A capacidade de pagamento das pessoas físicas continua em situação desafiadora, sob impacto da participação de modalidades mais caras (cheque especial e cartão de crédito). O BC chamou a atenção para a “influência do crescimento das operações de crédito não consignado, que têm apresentado prazos menores e taxas maiores de contratação, mas também das operações com cartões de crédito cujo peso no CRI mantém-se em nível elevado e sem redução desde 2022. As taxas do crédito não consignado, que estavam passando dos 1005 ao ano, tendem a cair a menos da metade com o novo consignado para empregados do setor privado.
O aumento no CRI também foi observado entre todas as faixas de renda, exceto aquela acima de dez salários-mínimos (faixa onde pode haver ganho líquido em aplicações financeiras). O relatório adverte que “prospectivamente, o atual ciclo de aperto monetário conjugado a algum arrefecimento na atividade econômica tendem a pesar ainda mais sobre a capacidade de pagamento das PFs nos próximos trimestres”.
OLM
Didaticamente, o BC ensina que “a transmissão da política monetária, em sua fase de aperto, envolve uma desaceleração da atividade, elemento necessário para a convergência da inflação à meta (3,00% com tolerância de +1,50%+4,50%). Na fase de aperto monetário, quanto menor o porte da empresa, mais rápida é afetada sua capacidade de pagamento, que se traduz em picos mais altos de ativos problemáticos em um intervalo menor de tempo”.
Para as PFs, a evolução da materialização após o ciclo de aperto monetário parece mais difusa entre as modalidades. Ao passo que modalidades de maior risco, como crédito pessoal não consignado e cartão de crédito, parecem ter sido mais afetadas pelos ciclos anteriores de aperto, modalidades como financiamento imobiliário, crédito rural e crédito consignado não parecem ter essa relação de forma mais acentuada
Pessimismo sobre o ciclo de aperto
Reconhece o REF que “a percepção sobre o ciclo econômico alterou-se significativamente, com aumento na avaliação de contração e queda nas de expansão e recuperação. A parcela dos respondentes que consideram que o ciclo econômico está em “contração” aumentou de 28% para 56% entre agosto de 2024 e fevereiro de 2025. Já a porcentagem dos que acreditam que o ciclo econômico está em “recuperação” caiu de 31% para 12%. Há também queda na perspectiva de “expansão” de 27% para 13%”.