Festival do Rio 2018 termina hoje, deixando como saldo memórias de 200 filmes de 60 países

Por Jornal do Brasil, redacao@jb.com.br

"Verão"

Cerimônia de culto à autoralidade audiovisual, espalhada ao longo de 11 dias, o Festival do Rio encerra hoje a edição de 2018, com a entrega do cobiçado troféu Redentor aos concorrentes da Première Brasil e com a projeção de uma série de títulos inéditos em circuito. Quem correr ainda pega Godard (“Imagem e palavra”, às 21h40, no Estação Ipanema), Emir Kusturica (“El Pepe, uma vida suprema”, às 21h30, no Estação NET Rio) e Cacá Diegues (“O Grande Circo Místico”, às 18h45, no Kinoplex São Luiz) na telona, nas horas fi nais do evento. Quase não tivemos a maratona cinéfila carioca este anos: na corrida por patrocínio, o pacote que já foi de 400 títulos encolheu para 200 produções, vindas de 60 países, e a data que antes era fica em outubro, pulou para novembro. Mas, no fim das contas, foi uma seleção bonita.

A partir desta segunda, começa a Repescagem, que vai até quarta. É uma chance extra de se conferir algumas das atrações mais concorridas, como “3 faces”, de Jafar Panahi (prêmio de melhor roteiro em Cannes); “O anjo”, de Luis Ortega; “Guerra Fria”, de Pawel Pawlikowski (melhor direção na Croisette); e “Vírus tropical”, animação de Santiago Caicedo. 

A seguir, os críticos do JORNAL DO BRASIL apontam pérolas da seleção que merecem ser lembradas, vistas e revistas.

Ana Carolina Garcia

“Verão”, de Kirill Serebrennikov: Baseado numa história real, “Leto” (título original) aborda a rebeldia da juventude que sonhava com liberdade para se expressar e aproveitar a vida em plena URSS nos anos 1980. Tecnicamente primoroso, assume o tom crítico ao mostrar o controle do Estado sobre jovens influenciados pelos produtos da indústria cultural do ocidente capitalista, sobretudo pela música produzida nos Estados Unidos e Inglaterra, países chamados de inimigos ideológicos. Estreia nesta quinta.

Ana Rodrigues

“Vida selvagem”, de Paul Dano: A estreia do ator Paul Dano na direção é carregada de refinamento e equilíbrio. Em “Vida selvagem”, a desintegração de um casamento é observada sob o ponto de vista do filho, um menino de 14 anos. O diretor captura a atmosfera da vida americana dos anos 1950, em atuações surpreendentes de Carey Mulligan e Jake Gyllenhaal, mas com o brilho habitual. Dano escreveu o roteiro com a namorada, Zoe Kazan, neta de Elia Kazan. Tem sessão hoje, ainda, às 21h30, no Kinoplex São Luiz 1.

Frank Carbone

“O que você irá fazer quando o mundo estiver em chamas?”, de Roberto Minervini: Com sua única sessão aqui lotada no Estação NET Botafogo, Minervini observa um grupo de afro-americanos hoje. Resistir e viver é um ato de bravura, com luta, com amor e com afeto. A emoção de sobreviver mais um dia. Merecia um prêmio em Veneza.

Tony Trammel

“Sequestro relâmpago”, de Tatá Amaral: Um filme pertinente. que faz uma crítica social e aborda temas como preconceito, feminismo, empoderamento, machismo e busca pelo diálogo. Uma reflexão sobre três jovens diferentes, que são mais próximos do que imaginam. O roteiro mantém ritmo constante de tensão e valoriza cenas realistas. Desigualdade social, machismo e racismo pontuam a noite. A protagonista Marina Ruy Barbosa tem oportunidade de mostrar vulnerabilidade feminina e potência durante essa jornada única de uma noite pelo microcosmo que é São Paulo. O longa também ganha ao colocar uma representatividade transexual, com uma participação especial de Linn Da Quebrada.

Rodrigo Fonseca

“Carvana”, de Lulu Corrêa. Há quatro anos, nos 45 minutos do segundo tempo do Festival do Rio 2014, Hugo Carvana de Hollanda cometeu a indelicadeza de deixar este mundo sem pedir licença à saudade da gente. Este doce tributo em forma de documentário é uma oferenda que o cinema brasileiro deixa na encruzilhada política dos tempos de hoje para que este caboclo da malandragem abra nossos caminhos e vença as demandas de nossa cultura. Com irreverência, este longa-metragem revive os feitos de Carvana como ator, torcedor do Fluminense, animal político e diretor de sucessos como “Vai trabalhar, vagabundo” (1973) e cults como “Bar Esperança – O último que fecha” (1983), um dos maiores filmes do Brasil na década de 1980. Pode ver sem medo: emociona, diverte e faz sonhar. Passa hoje às 15h15, no Estação NET Rio.

Frank Carbone*
Especial para o JB

O Festival do Rio já começou a se despedir nesse seu último dia oficial, que será intenso para os cinéfilos que ainda esperam últimas alegrias por aqui, e o cinema brasileiro hoje apresenta seus vencedores. Quem irá dormir abraçado com Redentores esse ano? A competição já se anunciou diferenciada, com uma cara mais indie, meio longe das características que o marcam, mas não faltaram propostas de pegada popular. 'Domingo', de Clara Linhart e Fellipe Barbosa, é o exemplo máximo do equilíbrio que sempre pautou a arena competitiva carioca - dramas sem caráter popularesco e com evidentes qualidades narrativas e imagéticas. Além dele, 'Morto não Fala' de Dennison Ramalho e 'A Sombra do Pai' de Gabriela Amaral Almeida também tiveram sua estrutura de gênero em consonância com o gosto popular, sem perder a pujança estética.

Ainda assim, o cinema de autor foi um diferencial esse ano, com propostas abertas ao experimento. Sabendo que as programações vivem de ciclos e que essa caracteristica nunca foi o principal procurado por aqui, para 2019 podemos esperar uma "volta a programação normal". Esse ano, brilhou a releitura sobre o universo indígena de João Salaviza e Renee Nader Massora em 'Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos', o grito da juventude periférica em 'Nóis por Nóis' de Aly Muritiba e Jandir Santin, e uma exaltação ao maracatu pelas mãos de Tiago Melo em 'Azougue Nazaré'.

Por justiça, uma vitória para esse filme-celebração coroaria o ano, mas isso também pode acontecer para o casal João e Renee ou para Flávia Castro pelo belo ajuste de contas da memória em 'Deslembro' - particularmente a minha 'melhor direção'. O prêmio de atriz cairia bem para o filme, com Jeanne Boudier, e o de ator para o jovem Shico Menegat em 'Tinta Bruta', de Filipe Matzembacher e Márcio Reolon. A torcida particular vai para o reconhecimento de um grande artista como Dennison Ramalho, que merece ser reconhecido para além do nicho como o grande realizador que é, independente de gênero.

*Membro da ACCRJ