Crítica - O Chalé é uma Ilha Batida de Vento e Chuva
*** (Bom)
Dalcidio Jurandir é um poeta e romancista paraense que está completando seu centenário esse ano, sendo revitalizado, ressignificado e adquirindo o status antes pouco realçado nesse país tão refém dos grandes centros. A diretora Letícia Simões, dotada de extrema sensibilidade e talento, investiga o período em que Dalcidio precisou se afastar de sua recém formada família nos anos de 1930 para ser professor na afastada Ilha de Marajó, à época. Apartado dos amores que construiu, Dalcidio enfrentou a solidão através das cartas que enviou a esposa Guiomarina durante os tempos em que permaneceu longe.
Essa narrativa tragada pela poesia e pelo amor mais puro que alguém pode sentir é traduzida por Letícia através de imagens de Marajó hoje, forradas pela doce prosa do escritor, que esbanja sentimento e reflexão, sobre a sua situação ampliada, e também íntima. Fundindo a essa narração um quadro sobre o crescimento exponencial da ilha e dos problemas que não se esgotaram, a diretora cria dois universos trançados em um, onde recria a poesia do próprio Dalcidio, enquanto contrasta a realidade local, todas unidas pelas águas que circundam um paraíso de proporções reais, daqueles onde as maravilhas terminam e em algum momento a verdade vem a tona.
Em raros momentos o filme perde por rápido seu foco, entre fruir a verdade do autor e traçar uma observação sobre o lugar filmado e sua realidade. Mas o todo do longa é uma sucessão de acertos que compensa as questões, além de adensar a história familiar de Dalcidio com um momento de dor inimaginável. Todo esse passeio equivale a qualquer biografia tradicional que se poderia fazer em homenagem ao mesmo, sendo muito mais eficaz no tratamento e na leitura da alma desse poeta, que precisa como tantos outros no Brasil da sua dose de merecido reconhecimento. Através da luz que capta das imagens produzidas, Letícia faz por Dalcidio Jurandir o que poucos estão fazendo pela arte. Luz sobre luz.