Samuel Maoz: Eu sentia o cheiro de carne queimada
Carlos Helí de Almeida, Jornal do Brasil
VENEZA - Antes de dirigir Lebanon, Samuel Maoz ganhava a vida fazendo comerciais e filmes institucionais. O filme, que nasceu do desejo de exorcizar os fantasmas de uma experiência que o atormentou durante décadas, pode agora também mudar a vida profissional desse israelense de Tel Aviv, que se formou em cinema pela Academia de Artes de Beit Zvi.
Por que o senhor levou 25 anos para escrever sua história?
Toda vez que eu tentava escrever sobre minhas experiências na Guerra do Líbano, sentia o cheiro de carne (humana) queimada. A lembrança dos sensações daquela época me impediam de continuar escrevendo.
Em que momento venceu essa dificuldade?
Mais ou menos em 2006, quando minha vida financeira chegou a uma crise sem precedentes. Tinha atingido o fundo do poço. Decidi enfrentar os meus medos, o cheiro de carne queimada. Eu não tinha mais o que perder. Assim que venci esse primeiro passo, comecei a me sentir mais seguro, confiante, aquele cheiro havia ido embora, afinal.
Por que tomou a decisão de enclausurar a história dentro de um tanque?
Durante muito tempo busquei a melhor maneira de contar a minha história. Logo percebi que uma narrativa tradicional não serviria para o que eu gostaria de expressar. Queria transmitir para o público a sensação de tensão e desorientação que qualquer soldado em batalha sente. A ideia era fazer com que o espectador visse e ouvisse apenas o que os soldados viam e ouviam, o que era muito pouco. É dessa experiência emocional que nasce a compreensão do que é estar numa guerra.
O senhor ainda convive com seus colegas de infortúnio?
Não. Essa história de camaradagem entre soldados que os filmes tradicionais sobre guerra costumam passar não é a realidade. Em Lebanon um dos personagens deixa isso claro e diz para o companheiro: Não venha com essa, eu nunca fui seu amigo . Quem já participou de uma guerra sabe que o que prevalece ali é o instinto de sobrevivência. Ninguém quer se encontrar depois para falar sobre aquilo, a gente quer mais é esquecer.