Carol Rocamora destaca modernidade na obra de Tchecov

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Daniel Schenker, Jornal do Brasil

RIO DE JANEIRO - Não há contraste entre o incentivo de Carol Rocamora à dramaturgia contemporânea e seu vínculo com o teatro de Anton Tchecov (1860-1904). A professora e escritora esteve no Rio para conferir a montagem brasileira de Tomo suas mãos nas minhas, texto de sua autoria, centrado na correspondência travada entre Tchecov e a mulher, a atriz Olga Knipper (1868-1959), que permaneceram afastados durante boa parte dos últimos anos de vida dele. Diagnosticado com tuberculose, Tchecov precisou se refugiar em Yalta, enquanto Knipper permaneceu trabalhando no Teatro de Arte de Moscou, fundado por Constantin Stanislavski e Nemirovitch-Dantchenko, em 1898.

Em comemoração aos 150 anos de Tchecov, foi realizado na última sexta-feira, no Teatro do Leblon, um encontro que comandado pela diretora da encenação brasileira, Leila Hipólito, e dos atores Roberto Bomtempo e Miriam Freeland. Na ocasião, Rocamora, que é especialista em literatura russa, destacou a modernidade de Tchecov, autor que vem atravessando o tempo

Tchecov estava interessado na busca por novas formas para o teatro. Queria plantar algo para o futuro. Por isto, ele retratou Treplev como artista simbolista observa Rocamora.

Conflitos com Stanislavski

Carol Rocamora refere-se ao personagem de A gaivota a primeira das quatro grandes peças do dramaturgo, escrita em 1896 que defende uma proposta de teatro completamente diferente da mãe, a diva Arkádina, com quem mantém relação passional. Não por acaso, Tchecov entrava em conflitos constantes com Stanislavski, devido ao rigor naturalista marcante nas encenações de suas peças.

Personagens como Treplev e Arkádina evidenciam o desejo do autor de retratar um momento de vácuo entre uma visão de mundo ultrapassada, mesmo que muitos ainda não percebam a derrocada dos antigos valores, e novas propostas artísticas, que, porém, não foram assimiladas pela maioria.

Enquanto Tchecov morria, a Rússia definhava. Grandes mudanças aconteceriam, mas ninguém sabia como seriam. Restava assistir aponta Carol, que elege O jardim das cerejeiras como a melhor de todas as peças: Ele conta toda a história da Rússia sem que o leitor/espectador perceba.

Os personagens de Tchecov estão sempre em movimento. Quando os textos começam, a maioria aparece chegando de algum lugar; quando terminam, cada um segue para destinos diferentes. Em contrapartida, diversos estudos sobre a obra de do russo afirmam que há pouca ação em suas peças, sinalizando um descompasso entre vida interior e exterior.

As pessoas chegam, falam e vão embora. É como se Tchecov olhasse para elas, notasse que não percebem o que se passa e perguntasse: Não é engraçado? Não é triste? . Na minha opinião, sua dramaturgia não era realista, mas impressionista. Ele captou momentos formidáveis, inesquecíveis, algo mágico nos rostos e na luz diz.

Carol Rocamora está escrevendo, nesse momento, uma biografia, intitulada Retratos de Tchecov, na qual abordará a história do dramaturgo através da junção de registros fotográficos com textos das cartas. O lançamento será em 2011. Seu envolvimento com o teatro do autor se deu de modo gradual. A gaivota foi a primeira peça dele que traduziu. Entusiasmada, mergulhou nas demais. Por sugestão da amiga e atriz Olympia Dukakis escreveu Tomo suas mãos nas minhas.

Humor e drama

Antes de Dukakis interpretar Olga Knipper, em 2006, o texto foi montado em Londres, logo depois do 11 de Setembro, com Paul Scofield (1922-2008) e Irene Worth (1916-2002), marcando a despedida do palco de ambos. Em 2003, Peter Brook encenou a peça no Théâtre des Bouffes du Nord, em Paris, com Michel Piccoli e Natasha Parry. Nesse meio-tempo Carol Rocamora foi convidada para dar aula na New York University, onde hoje ensina literatura dramática e história do teatro para alunos dos departamentos de interpretação e dramaturgia.

Em relação aos trabalhos realizados a partir de peças de Tchecov, Carol elogia o filme Tio Vanya em Nova York (1994), registro de Louis Malle da versão de André Gregory para Tio Vanya, e uma montagem recente de A gaivota, com Kristin Scott Thomas no elenco. Chama especial atenção para o filme Peça inacabada para piano mecânico (1977), de Nikita Mikhalkov.

Mikhalkov é o diretor que mais entende sobre Tchecov garante.

Rocamora não se esquece de Woody Allen, responsável por belos longas-metragens notadamente tchecovianos, como Setembro (1987).

Mas Allen alterna humor e drama. Já Tchecov é engraçado e triste ao mesmo tempo diferencia.