Startups avançam no Brasil apesar dos obstáculos
CEO da aceleradora OBr.Global fala sobre desafios para gerar inovação
O americano Robert Janssen, CEO da aceleradora de startups OBr.Global, vive entre o Rio de Janeiro, o Vale do Silício e San Antonio, no Texas, em busca de novos negócios que podem ser ampliados a nível internacional. “Olheiro da inovação”, conhece como poucos os gargalos do setor no Brasil. Entre os problemas do país que escolheu para viver, cita a prevalência de interesses políticos sobre critérios técnicos, a tributação em cascata, o obstáculo da burocracia e a ausência da cultura de investimento, tão comum ao cidadão médio americano. Ainda assim, vai ao exterior vender o Brasil como um mercado em potencial, de mão-de-obra competente e boa capacidade de adaptação às exigências do cliente. Segundo Janssen, o país se consolida na segunda onda de startups, marcadas por alguma característica interna, como é o caso das Fintechs. Para ele, mais do que a queda dos juros, que atraiu investimentos para novos negócios, pesa a vontade do financiador brasileiro em acompanhar a evolução de um negócio produtivo em vez de apenas esperar pelo retorno de produtos financeiros.
Onde está o Brasil na corrida por inovação?
O país está correndo atrás. Não está no grupo da frente. Isso funciona como uma maratona e aí tem aqueles dez que estão no pelotão da frente, um grupo tentando chegar junto e outro mais atrás. Israel, China, Estados Unidos, países escandinavos e, depois, Alemanha, Inglaterra e França vêm muito forte. São mercados baseados em fatores de competitividade. Podemos avaliar pelo PIB e pelo quanto disso é investido em inovação. O Brasil investe muito menos do que esses países. Além disso, investe mal. Mas tem uma resiliência incrível. Mesmo atrás, começa a crescer. Se analisarmos os mercados mais competitivos, todos passaram pelo que chamo de três ondas. A primeira onda, é onde você tem um “copycat”. No contexto brasileiro, as empresas consideradas unicórnios (valor de mercado acima de R$ 1 bilhão) não são uma criações tupiniquins que ganharam o mundo. Algumas imitam algo que já funcionou em outro lugar. A segunda onda, na qual o Brasil está começando a despontar, acontece quando a inovação não é 100% estrangeira e traz uma carga local que serve ao interesse global. Aqui há bons exemplos na área de Fintechs. Do ponto de vista do mercado, as práticas financeiras brasileiras são conceituadas. Por isso as Fintechs brasileiras nadam de braçada. Não é algo essencialmente próprio, mas as circunstâncias locais ajudam. A terceira onda é quando uma iniciativa realmente local explode para o mundo. Vejo que o Brasil ainda tenta se consolidar na segunda. E a marca dessa etapa já são as Fintechs.
No caso das Fintechs, a pouca diversificação no setor financeiro e o potencial junto ao público favorecem a expansão...
De fato. A inovação acontece quando existe algum tipo de ruptura ou um gap que precisa ser preenchido. Os grandes não têm agilidade para fazer isso. Hoje, com a tecnologia que se tem disponível e a vivência de aplicativos móveis, surgem propostas como a Nubank. A tecnologia dessa startup está disponível, mas é modelo de negócio que atacou esse segmento não atendido. Então cresceu muito por oferecer tecnologia e acesso fácil a uma massa excluída, nem tanto pela inovação tecnológica.
Quais as principais dificuldades para inovar no Brasil?
Há no Brasil uma fragmentação partidária muito grande. São mais de 35 partidos tentando formar uma coalizão e, nesse contexto, a média das decisões técnicas é sempre nivelada por baixo. Os principais atores da esfera pública tinham de trabalhar em maior consonância. Para acontecer isso, é preciso ter um estadista lá na frente. Mas além deste, há outros desafios. O Brasil tem uma economia muito fechada e castigada. Quando a minha metade americana olha para a tributação brasileira, não consegue entender. Aqui se paga imposto em cima de imposto. A tributação deveria incidir na produção, em geração de valor, mas não é o que acontece. E isso é um tiro no pé, porque desestimula o investimento. Sem falar na burocracia e na falta de cultura investidora. Não há aqui um mercado de capitais como vemos nos EUA. O brasileiro não olha para isso, ao passo que, para o americano é muito comum investir. E de forma muito mais simples. Existe um ranking mundial de facilidade para se fazer negócios, que avalia as condições para se abrir ou fechar uma empresa, obter licenças, entre outros fatores. É interessante notar que o mesmo Brasil que figura no Top 10 do ranking de empreendedorismo no mundo, hoje está em 113º lugar quando se trata de ambiente de negócios.
O aporte de investidores anjos (mecenas) aumentou muito no último ano e isso é muitas vezes atribuído aos juros em queda. Você concorda?
Pode até ser. Quem conjuga somente risco e rentabilidade pode estar olhando para a taxa de juros e, de fato, pensar em tentar algo novo, colocar 10% do portfólio em startups. Não se pode negar, mas conheço muita gente que está engajada, empolgada com a possibilidade de participar da evolução de ativos na vanguarda. São pessoas que estão participando da inovação diretamente, vivendo a história de seus investimentos em vez de apenas esperar pelo retorno passivamente. Muitos estão na faixa dos 40, 50 anos e têm uma carreira consolidada, mas estacionada. Queriam uma nova montanha-russa e agora encontraram. Mais que isso, já vislumbram a possibilidade de obterem ganhos muito maiores do quem por meios tradicionais, como a renda fixa.
Como anda a inovação no Rio de Janeiro?
O processo de inovação e empreendedorismo nasce no berço universitário. Só que hoje, o ambiente universitário brasileiro, além de muitas vezes não ser estimulante para o próprio propósito acadêmico, é menos ainda para o fomento dessa conexão com o mercado. Quando se fala em infraestrutura hoteleira falamos no número de quartos. Da mesma forma, eu sempre pergunto quantas vagas universitárias existem no Rio. É o estado que mais tem universitários. Entretanto, tem uma economia muito concentrada, que serve pouco como base de testes de mercado. As pessoas reclamam por terem de ir para São Paulo para validar projetos. No Rio, por exemplo, não se consegue operar uma fintech plenamente. Se você é de da área de seguros, comunicações ou petróleo e gás, tem uma chance. Mas o brasileiro tem uma capacidade incrível de se adaptar e suplantar as dificuldades. A minha aceleradora está no Rio. Daqui não saio e ninguém me tira. É, ao mesmo tempo, uma questão de comprometimento e de enxergar potencial no estado.
Nesse eixo Rio-San Antonio, o que tem surgido de mais inovador?
O que mais tem chamado atenção no mundo acontece na área de inteligência artificial ligada à saúde. É um despertar tecnológico que só traz vantagens. Agora, eu fico bastante curioso para conhecer melhor essa historia do Blockchain, porque isso vai mudar a regra do jogo tal qual a gente conhece, uma vez que tem como premissa a não-confiança. É a proposta de um ambiente totalmente confiável, não contaminável, que pode ser o grande divisor de águas das atuais relações na internet. Além disso, também destacaria iniciativas ligadas ao agronegócio, envolvendo inteligência artificial e drones.
Em setembro as duas maiores empresas do país, Petrobras e Ambev, vão promover encontros de hackers em busca de soluções e inovações para seus negócios. Como vê esse despertar?
É natural. Sempre disse que quando as grandes acordarem vão entrar pesado porque têm recursos, dinheiro. O fato principal é que não se consegue inovar de dentro de muitas empresa porque elas já estão amarradas para serem lucrativas. Brinco que o principal inimigo da inovação corporativa é o CFO porque ele fica salvaguardando o valor do acionista e não consegue promover a inovação. Então, a inovação aberta, realizada fora de casa, faz muito mais sentido para as gigantes. Em vez de apostar em um cavalo de corrida, promovem uma pista com vários cavalos, investem na pista e conseguem trazer inovações mais rapidamente. Fora que é difícil se canibalizar em determinado momento para ganhar à frente. Com relação à inovação promovida pelas grandes, acho que uma das principais mudanças virá no setor automotivo. Vão deixar de fabricar produto para vender serviço de transporte, inclusive de correspondência, eu diria.