As derrotas de Paulo Guedes
Guru econômico de Bolsonaro, neoliberal flerta há décadas com o poder, sem sucesso
Ele nasceu no mesmo dia 24 de agosto, cinco anos antes do suicídio de Getulio Vargas. Desde que fez mestrado na Universidade de Chicago (1977-79) - quando virou grande admirador do prêmio Nobel de Economia, Milton Friedman - após se formar em Economia na UFMG e fazer pós-graduação na FGV, Paulo Roberto Nunes Guedes virou fiel discípulo da Escola de Chicago. Considerada a mais conservadora e ortodoxa da Economia, de linha monetarista. A Universidade, também foi o berço para a pós de Carlos Langoni (ex-presidente do Banco Central no governo Figueiredo e atual diretor do Centro de Estudos de Economia Internacional da FGV). Ex-alunos de Chicago, entre os quais estavam Langoni e Guedes, foram convocados por economistas da equipe do ditador a Augusto Pinochet para promover as reformas ultraliberais da economia chilena.
Uma frase da cáustica economista e professora Maria da Conceição Tavares, resume bem o trabalho de desmonte das conquistas sociais e econômicas no Chile, após o suicídio de Salvador Allende, em setembro de 1973, quando as tropas de Pinochet e companhia que bombardearam o Palácio de La Moneda estavam prestes a invadir os portões:
-Da turma de Chicago, quem menos matou foi Al Capone. (o gangster que comandava o crime organizado na Chicago dos anos 20, preso por crimes de sonegação pela força tarefa de Elliot Ness).
No ninho do FMI
Ao voltar ao Brasil, Guedes virou economista-chefe do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), que funcionou durante muitos anos no anexo do MAM, no Parque do Flamengo (Rio), onde se realizou, em 1967, a reunião anual do Fundo Monetário Internacional que marcou a reabertura do mercado financeiro internacional ao Brasil e abriu caminho para o “milagre brasileiro” na gestão Delfim Netto no Ministério da Fazenda. Paralelamente ao Ibmec, um dos primeiros empregos de Paulo Guedes foi na assessoria econômica da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), cujo diretor era o economista paulista, Affonso Celso Pastore. Pastore veio a ser o sucessor de Langoni na presidência do Banco Central (1983-85). Na Funcex, Paulo Guedes se entrosou muito bem com Affonso Pastore e alimentou seu primeiro sonho de poder.
Pastore, economista de linha conservadora (menos que Delfim, porém) foi convidado pelo deputado Paulo Maluf, candidato do PDS, para assumir o Ministério da Fazenda, em 1985. E Paulo Guedes foi sondado por Pastore para comandar o Banco Central, onde o economista mineiro, que desenvolveu carreira no Rio, poderia aplicar o receituário que apreendeu com Friedman. Parecia favas contadas a eleição indireta no Colégio Eleitoral, em fins de 1984, pois o PDS tinha ampla maioria sobre o PMDB.
A primeira derrota
Mas o quadro pluripartidário já começara a mudar após a Anistia (1979) e a primeira eleição em 1982, quando Leonel Brizola venceu no Rio de Janeiro pelo PDT e a oposição fez maioria. A campanha das Diretas Já, iniciada no fim de 1983, não foi aprovada, em 1984, na Câmara dos Deputados. Mas rachou o PDS, do qual os dissidentes criaram o PFL (atual DEM), e a voz das ruas viabilizou a eleição de Tancredo Neves, pelo MDB, em 15 de janeiro de 1985. A posse seria em 15 de março. Paulo Guedes, então um dos fundadores da Distribuidora Pactual, comandado por Luiz Cesar Fernandes, ex-Banco de Investimento Garantia, sofreu sua primeira derrota eleitoral.
De imediato, Tancredo escolheu para ministro da Fazenda seu sobrinho, então Secretário da Receita Federal, Francisco Dornelles. E Dornelles convidou para presidir o Banco Central o economista Antonio Carlos Lemgruber. Guedes perdeu o cargo para o qual já se julgava ocupando 12 meses antes. Mas, teve uma nova chance de ocupar uma diretoria do BC. Só que Lemgruber convidou para o comando da diretoria de política monetária e dívida pública seu colega da FGV, José Julio Senna. O convite a Guedes foi feito para ocupar a diretoria de mercado de capitais. A pessoa que fez a sondagem por telefone, em fevereiro, de 1985, ouviu um sonoro não de um magoado Paulo Guedes. Imediatamente, Lemgruber convidou o Antigo colega de Paulo Guedes no Ibmec Roberto Castello Branco (também da FGV e que durante muito anos foi diretor de relações com o mercado e investidores da Vale), que aceitou. Em menos de dez minutos, Paulo Guedes pensou melhor, travou as mágoas e ligou para o interlocutor dizendo que aceitava a diretoria de mercado de capitais. Nova decepção: ouviu que, segundo a praxe do mercado de capitais, o não ao telefone “fechara” a operação e que Castello Branco aceitara o posto.
Nasce o “Beato Salu”
Tancredo Neves escondeu a doença. Na viagem aos Estados Unidos para reabrir os canais políticos e financeiros fechados com a crise da dívida externa, o presidente eleito levava várias vezes a mão direita por dentro da calça, para comprimir o tumor que o incomodava. A tragédia que terminou em abril teve seu primeiro capítulo com a posse emergencial do vice, José Sarney. Até a troca de Dornelles por Dilson Funaro, que comandava o BNDES, Paulo Guedes moderou suas críticas.
Entretanto, na mudança de guarda do comando da economia, Funaro convidou para o Banco Central o banqueiro Fernão Bracher, ex-diretor da área externa do BC no governo Geisel, e vice-presidente do Bradesco. Bracher chamou André Lara Resende (hoje na equipe de Marina Silva), para o comando da política monetária, e Persio Arida (hoje na assessoria econômica de Alckmin) para a diretoria da área bancária. André e Persio, professores da PUC-Rio, onde também lecionava Paulo Guedes na época, elaboraram, em 1984, o “Plano Larida”, uma intervenção heterodoxa na economia para debelar a hiperinflação que se retroalimentava dos mecanismos de indexação (a correção monetária da moeda e dos contratos).
Esse plano, ao qual se juntaram outros economistas da PUC como Francisco Lopes e Humberto Modiano, foi o embrião do Plano Cruzado, que Funaro apresentou ao país em 28 de fevereiro de 1986. Não previa reajuste de salários (Sarney, temeroso, deu reajuste de 10% que fez explodir a demanda e contribuiu para o malogro do Cruzado). O Plano era para ter nascido em janeiro, mas uma seca devastou a produção agrícola do Rio Grande do Sul e Paraná, então celeiros do país (a agricultura engatinhava no Cerrado).
Paulo Guedes, seguidamente consultado pela imprensa como diretor técnico do Ibmec, abria fogo contra os planos gestados em surdina pela nova equipe econômica. Suas previsões nos almoços de fim de ano com a imprensa no restaurante do MAM, ficaram famosos pelas previsões catastróficas de inflação de 200% ou 300%, que nunca se cumpriram. Na época fazia grande sucesso a novela Roque Santeiro (a primeira versão fora censurada na Ditadura). E o personagem Beato Salu, um barbudo vivido magistralmente pelo petista histórico Osmar Prado, que vivia alardeando o fim do mundo, virou o apelido de Paulo Guedes. Obra do diretor de Mercado de Capitais do BC, Luiz Carlos Mendonça de Barros, que foi presidente do BNDES e ministro das Telecomunicações de FHC (PSDB).
A desavença entre os dois ia além das visões diferentes da economia. Guedes, então diretor da Pactual Distribuidora, queria com seus sócios Luiz Cesar Fernandez e André Jakurski, uma carta patente de banco de investimento (como tiveram as corretoras Garantia e Multiplic, em 1976). Mendonça, Resende e Arida foram contra e o Banco Pactual só nasceu após a troca de comando do BC.
A segunda derrota
Já à frente do Banco Pactual, Paulo Guedes conheceu sua segunda derrota eleitoral. Desta vez diretamente nas urnas. A Andima, associação que reunia os bancos, corretoras e distribuidoras que giravam diariamente os títulos da dívida pública e papeis privados de renda fixa no open market, teria eleição em 1986. Mas a entidade que se fundiu há alguns anos com a Anbid criando a Anbima, era historicamente comandada por instituições dealers (credenciadas pelo BC a operar em seu nome na compra e venda de títulos federais).
Luiz Cesar Fernandes queria formar chapa que representasse a ampla maioria das instituições independentes. E se insurgia contra duas candidaturas: a do ex-presidente da Anbid, Ronaldo Cesar Coelho, do Banco Multiplic, que tinha apoio do ministro da Fazenda, Ernane Galvêas, e do corretor Carlos Villar, dono da Duarte Rosa, que tinha apoio do então ministro do Planejamento, Delfim Netto. Fernandes conseguiu desgastar as duas candidaturas e com a aliança do vice-presidente do Banerj, Marco Aurelio Alencar, um dos vices da chapa, era o favorito.
Mas houve um racha no mercado financeiro. A chapa foi considerada brizolista. E o Banerj, que tinha a compensação das corretoras da Bolsa do Rio, era mal visto por ser duro com as instituições furadas no overnigth. Surgiu uma chapa de última hora na primeira disputa na história da Andima. O corretor Adolpho Ferreira de Oliveira, com apoio de dois fortes bancos custodiantes (que faziam a compensação diária das instituições não bancárias) entrou em campo e mudou o quadro. Na ultima hora Fernandes renunciou e convocou seu sócio no Pactual, Paulo Guedes para ser cabeça de chapa brizolista, como era batizada pelos adversários. No embate PDT X PMDB ganhou Adolpho, por meia dúzia de votos. Adolpho ficou menos de um ano na Andima, foi convidado por Moreira Franco para assumir o Banerj, em 1987 e assumiu em seu lugar o vice, Marcos Jacobsen, do Bamerindus.
Guedes deixou o Pactual no começo do milênio (foi um dos fundadores do Instituto Millenium, que prega a ideias de Friedman), foi parceiro de Andre Jakurski na fundação da JGP, grande gestora de investimentos, da qual se desligou. Junto com Claudio Haddad, ex-diretor do BC, comprou o Ibmec, mas desfizeram a operação alguns anos depois, com uma cisão. O Ibmec-SP ficou com Haddad e outros sócios e virou o Insper. Guedes diversificou investimentos em fundos dedicados a educação. Sua Irma, Elizabeth Guedes, é a principal controladora do grupo Anima, que tem mais de uma dúzia de instituições universitárias especializadas em educação a distância.
Colunista semanal durante três anos na Folha de S. Paulo e em O Globo, o posto Ipiranga do candidato Jair Bolsonaro (PSL) pregava a ampla sociedade aberta e democrática, nada coerente com o ideário do capitão que nega a ditadura e louva a memória de torturadores.