Bolsonaro contraria discurso liberal com ação protecionista

Por ARTHUR CAGLIARI

[Jair Bolsonaro] Lançando a CPI-fake news

Em linha contrária ao discurso de abertura comercial do ministro Paulo Guedes, o governo Jair Bolsonaro prorrogou sete medidas antidumping e aplicou três novas entre janeiro e julho deste ano, segundo dados do Ministério da Economia.

O dumping ocorre quando uma companhia exporta um produto por um preço abaixo daquele praticado no mercado de origem.

Embora a medida contra a prática seja um instrumento previsto pela OMC (Organização Mundial do Comércio), o dumping pode trazer aumento de poder de mercado e reduzir pressão competitiva na indústria do país importador.

As medidas de proteção do governo Bolsonaro, cuja duração é de cinco anos, atingem China, Alemanha, Coreia do Sul, Chile, Taiwan, Peru e Bahrein.

Entre os produtos que são alvo do dispositivo, estão plástico para embalagens, ventiladores, aço, pneus de automóveis e papel-cartão.

A medida mais antiga, entre as dez do atual governo, combate a importação de ventiladores chineses. Os produtos foram taxados pela primeira vez em 1994.

Desde então, o dispositivo de proteção foi prorrogado. Em dezembro de 2017, uma circular informou que o direito antidumping aplicado aos produtos chineses seria encerrado em julho do ano passado.

A revisão do direito, no entanto, foi prorrogada e, em 28 de junho deste ano, a proteção foi estendida até 2024, quando completará 30 anos.

Na avaliação do professor de economia da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo) Fernando Botelho, o uso desse instrumento não pode ser prolongado porque prejudica o próprio país.

"Isso é um completo absurdo. Você está protegendo algum empresário e prejudicando milhares de pessoas."

"É um remédio que tem de ter uma eficácia muito rápida. Se você está sem competitividade no horizonte de 20 anos, é sinal de que não há vantagem competitiva no país."

Para Botelho, a prorrogação do dispositivo frustra as expectativas de que um governo liberal acabaria com o protecionismo brasileiro.

"Achei que seria um lado bom no governo Bolsonaro. Eu pensava: 'Pelo menos ele vai acabar com essa história dos empresários amigos'. Mas não, continua".

O Brasil atingiu seu ápice na aplicação de medidas antidumping no governo Dilma Rousseff (PT), quando, em 2013 e 2014, o país adotou o dispositivo 43 e 42 vezes, respectivamente.

No ano passado, a resolução foi usada 17 vezes.

O Ministério da Economia afirmou que as medidas de defesa comercial têm como único objetivo garantir condições justas de comércio entre as importações e produtos nacionais.

"Dada a delimitação de condições e requisitos específicos para a aplicação dessas medidas, seu uso tem como fundamento análises técnicas e objetivas e não devem ser interpretadas como instrumentos de fechamento ou de abertura comercial."

Para o chefe de Departamento de Economia da USP Ribeirão Preto, Sérgio Kannebley Junior, o que chama a atenção no uso das medidas pelo governo Bolsonaro é o motivo pelo qual elas são adotadas ou prorrogadas.

"A maior parte das justificativas está baseada no dano potencial à indústria brasileira. Então eles não suspendem a resolução pelo possível dano que a retirada dela poderia causar. Agora, é difícil você chegar a uma conclusão só pelo possível dano."

Kannebley Junior afirmou, porém, que esse recurso pode ter sido utilizado pelo governo como uma forma de se proteger em um período de economia fraca.

"O que eles podem estar pensando é que, em um momento de recessão, você pode ter mais chance de aplicação ou continuidade das medidas porque a economia está muito frágil."