ECONOMIA

Era só o que faltava: o Banco Central tramar contra a economia brasileira

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Por GILBERTO MENEZES CÔRTES

Publicado em 26/06/2024 às 14:18

O mandato de Roberto Campos Neto expira em 31 de dezembro de 2024, junto com mais dois diretores nomeados por Bolsonaro Reuters/Amanda Perobelli

A tropa de choque bolsonarista ainda encastelada no Banco Central independente perante o Executivo, pela Lei 179, de fevereiro de 2021, sob o comando do presidente Roberto Campos Neto, prepara mais um golpe contra o país. Após deixar o dólar disparar para justificar o excesso de cautela do Comitê de Política Monetária (Copom) para interromper, dia 19, a queda da taxa Selic em 10,50%, o que vai travar a economia e o emprego e solapar o próprio Arcabouço Fiscal, que depende da maior arrecadação, está municiando os senadores para transformar o Banco Central no 4º Poder da República.

O mandato de Roberto Campos Neto expira em 31 de dezembro de 2024, junto com mais dois diretores nomeados por Bolsonaro. Do ponto de vista político, ele estaria, nestes seis meses que lhe restam, como um governante “pato manco”, como se diz nos Estados Unidos para o presidente ou governador que perdeu a reeleição e tem de cumprir o mandato por mais um ou dois meses. Campos Neto, que votou com a camisa verde amarela, em 2022, para marcar posição pró reeleição de Bolsonaro, embora, para manter o “status” da independência, devia ter evitado tomar partido, deveria cumprir o que já sugeriu meses atrás, quando tentou dar pitacos sobre o seu sucessor.

A nova cartada de Campos Neto
Quando ainda estava tentando influir na própria sucessão, Campos Neto manifestou que era importante, para a tranquilidade da economia brasileira, que a sucessão do Banco Central fosse antecipada. Dizia que a limitação do calendário das eleições municipais no 2º semestre deixaria pouco tempo para a indicação dos candidatos (presidente e dois diretores) e as sabatinas e aprovações na Comissão de Assuntos Econômicos e no Plenário do Senado. Ele defendia a escolha ainda neste 1º semestre.

A escolha do presidente do Banco Central, como de resto de todos os diretores, é prerrogativa do presidente da República, por indicação do ministro da Fazenda. A indicação, como a de funcionários de agências governamentais, como a Anvisa, a ANS, a ANP e a de novos embaixadores, passa pelo crivo do Senado Federal. Caberia ao presidente que nomeou alguém para determinado cargo ter a prerrogativa de demiti-lo, entende o presidente Lula. Mas a autonomia das agências garante o cumprimento do mandato até o último dia.

E Campos Neto está se aproveitando que ainda tem poder na mão para municiar senadores da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), com a atuação ostensiva de funcionários do Banco Central, para elevar a graduação da Independência Administrativa, mediante a aprovação do Projeto de Emenda Complementar 65/2023, de autoria do senador Vanderlan Cardoso (PSD-G)) e relatoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM) para tentar criar a autonomia financeira do Banco Central do Brasil perante o Executivo.

Até aqui a autonomia do Banco Central lhe dá o poder de fazer o que quer. Mesmo contrariando os planos econômicos do Ministério da Fazenda e elevando os juros, medida que desacelera o consumo, esfria a economia e o emprego, derrubando a trajetória da arrecadação prevista no Arcabouço Fiscal, o Banco Central pode gerar despesas astronômicas de juros para o Tesouro Nacional, que, se tiver prejuízos, serão cobertos pelo próprio Tesouro.

Sim, isso aconteceu em 16 de janeiro deste ano. Para cobrir prejuízos de R$ 36,5 bilhões em 2022, o Tesouro Nacional teve de fazer um PIX neste valor ao Banco Central. E no ano de 2023, o Banco Central teve prejuízo de R$ 114 bilhões. Descontando reservas de caixa, o Tesouro terá de cobrir R$ 111,2 bilhões em janeiro de 2025. Para se ter uma ideia, cada baixa ou aumento da Selic gera economia ou aumento de gastos na ordem de R$ 50,1 bilhões no giro dos juros da dívida pública. E engorda o lucro dos bancos e ricos rentistas.

Será que os senhores senadores sabem que o Banco Central do Brasil já acumulou prejuízos de R$ 147,7 bilhões em 2022 e 2023? Essa montanha vai se somar aos gastos extras de mais de R$ 200 bilhões em juros da dívida para 2024 e 2025. Ainda mais agora que o BC decidiu elevar de 4,50% para 4,75% o chamado juro neutro (a taxa Selic descontada a taxa do IPCA – a inflação oficial –) projetada para os próximos 18 meses. Como cada ponto onera em R$ 50,1 bilhões a dívida em 12 meses, 0,25% em 18 meses representam mais de R$ 30 bilhões.

O poder do 4º poder
Os servidores do Banco Central, uma casta entre as várias castas da administração pública brasileira (há a casta do Judiciário, do Ministério Público, dos Militares, dos Auditores Fiscais, da Polícia Federal, dos oficiais das PMs e por aí afora), querem ter maior poder de pressão por aumentos de salários. Imagine os fiscais da Receita ou os policiais federais, ou procuradores da Fazenda Nacional, deixando de cumprir sua obrigação ou fazendo corpo mole por pressões de reajuste salarial? Fazer corpo mole é “crime de prevaricação”.

Os funcionários do BC querem ter a carreira com aderência aos salários da banca privada, onde os mais graduados costumam participar da distribuição de lucros por desempenho. Ocorre que muito do lucro vem de decisões do Banco Central de elevar (ou não baixar os juros). Essa elevação dos juros neutros traz uma transferência de lucros brutal para a banca privada.

Que tal senhoriar o lucro dos bancos?
Um dos argumentos trazidos por Campos Neto aos senadores para justificar a PEC da independência financeira era de que o BCB poderia se apropriar das receitas de senhoriagem dos meios de pagamento. Uma insinuação de que o PIX – até aqui gratuito – poderia ter taxas por sua ampliação de uso em grandes quantias. Já que o BC propicia tantos lucros aos bancos, não seria mais justo uma “senhoriagem” sobre um DX destes lucros? Qualquer 0,01% sobre esses bilhões cobriria os custos administrativos do BC.
A sabotagem do BC

No auge do negacionismo da Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir no trabalho da Anvisa para impedir a aprovação da autorização da vacina CoronaVac, que o governo de São Paulo, sob comando de João Doria Jr., importou da China para produção em série pelo Instituto Butantã. Mas teve de se conformar com a independência do presidente da Anvisa, almirante Antônio Barra Torres. O almirante, ainda, enviou carta ao presidente Bolsonaro reclamando da intromissão, e Bolsonaro, que era capitão da reserva, teve de engolir a reação em tom altivo do presidente da autarquia, que segue à frente do cargo no governo Lula.

Campos Neto resolveu, agora, como uma cópia do comportamento do derrotado presidente Jair Bolsonaro, que tramou contra a democracia, focar seu alvo na economia brasileira. Uma Autoridade Monetária age sempre para tranquilizar os mercados.

O presidente do BC aproveitou os acontecimentos trágicos no Rio Grande do Sul, para, a cada fala, desde o começo de maio, pintar com cores mais fortes um quadro – que já mostrava valorização do dólar em todo o mundo e instabilidade nos mercados desde que o Federal Reserve desistiu de reduzir os juros americanos em três movimentos de 0,25% cada, e talvez faça só um este ano – de crescentes riscos fiscais e pressões inflacionárias domésticas.

É inacreditável, mas RCN plantou um cenário para estimular a escalada do dólar e justificar a decisão do Copom de ir reduzindo a baixa da Selic para apenas 0,25% em maio, quando metade dos oito diretores queria cumprir a promessa da reunião de março, de baixar 0,50%, e Campos se aliou aos quatro indicados por Bolsonaro para baixar só 0,25%. A divisão do Copom, muito explorada no mercado, serviu para minar o terreno da sucessão de Campos Neto, que poderá gerar mais especulação no mercado financeiro.

No 30º aniversário, Campos mina o Real
Se todas as moedas, até o euro e o franco suíço, estão sofrendo com um dólar, por que o Banco Central não lançou instrumentos, como operações de swap cambial (venda de dólar com recompra futura em juros pré-ajustados) para evitar a escalada do dólar frente ao Real, justamente quando a moeda brasileira e seu plano de estabilização completam o 30º aniversário esta semana?

Seria uma contradição contra o discurso de Campos Neto e os diretores que lhe fazem coro, os remanescentes do bolsonarismo. Ao fomentar o caos, RCN parecia ter fornecido argumentos para as apostas contra o real no mercado, que já somam mais de US$ 80 bilhões nos mercados futuros.
Lideram as apostas bancos e empresários brasileiros que mantêm empresas “off-shores” em paraísos fiscais no Caribe. Eles até hoje não engolem as tributações criadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre os fundos de investimento exclusivos de bilionários que tiveram de recolher mais de R$ 18 bilhões ao Fisco, e os donos de empresas “off-shores”, que posam como se fossem “investidores estrangeiros” e estão por trás do vai e vem dos fluxos de dólares, que fazem “turismo” na arbitragem com os altos juros da dívida pública brasileira.

Pelo menos até 31 de dezembro terão em Campos Neto, que tinha milhões de dólares em empresas “off-shores” nas Bahamas antes de entrar no comando do BC, um aliado bolsonarista de primeira à última hora.

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