Polêmica sobre a Eletrobras
Movimentos na privatização despertam suspeitas de que venda estaria mais para uma doação
Os brasileiros tomam sustos quando a estiagem esvazia os reservatórios das usinas hidrelétricas da Eletrobras, responsável pela geração de 36% da energia do país. Para poupar água e evitar risco de racionamento, são acionadas termelétricas a gás ou a combustíveis, o que onera as tarifas de luz e força. Em 2015, as contas de luz subiram 54% no país. Este ano, os clientes da Light já tiveram reajuste de 10% e os da Enel (interior do RJ e região dos Lagos), de 21%.
De certa forma, a polêmica privatização da Eletrobras virou uma aposta dos interessados em substituir a União (53,9% das ações ON) no comando da segunda estatal brasileira de que o ‘reservatório’ vai encher e gerar muitos lucros. A metáfora vale como uma explicação sobre o que está em jogo, além de gigantescas disputas judiciais sobre o valor real do ativo e do passivo da estatal.
Crime de lesa-pátria especial
O patrimônio líquido da Eletrobras vale cerca de R$ 45 bilhões (42,7 bilhões em dezembro de 2017). Os ativos da companhia, que controla a Eletronorte, a Chesf, no Nordeste, Furnas, no Sudeste, a Eletrosul e ainda metade da usina binacional de Itaipu e a Eletronuclear, que gere as usinas nucleares de Angra dos Reis e a fábrica de enriquecimento de urânio de Resende (antiga Nuclen), são avaliados por R$ 75 bilhões.
O modelo de privatização da Eletrobras, que o JORNAL DO BRASIL classificou esta semana em editorial como “Crime de lesa-pátria”, foge aos modelos anteriores de privatização, no qual após avaliação técnica, há um leilão pelo controle do capital com direito a voto. Foi assim na privatização das siderúrgicas, nos governos Collor e Itamar Franco, e na venda do sistema Telebrás, no governo FHC. A palavra privatização sumiu do vocabulário no governo Lula, substituída por leilões de concessões de estradas, ferrovias, portos e aeroportos para grupos privados, também sob Dilma.
O aumento de capital da Petrobras, em 2010, após a descoberta do pré-sal, em 2007, foi feito com chamada do público (brasileiro e internacional), mas a União integralizou parte do capital, para manter o controle. Na Eletrobras, sem avaliação, a União (53,9% das ações com direito a voto - ON) e de 15,5% das preferenciais (PN), pretende ‘pedir mesa’ e esperar as apostas de quem quiser ficar com o controle da estatal.
Uma pechincha (se não houver grande disputa com chineses) estimada em R$ 12/15 bilhões. Quase uma doação. Pela Lei das S.A., um investidor ou grupo de investidores pode deter o controle de empresa de capital aberto com pouco mais de 17% das ações com direito a voto (ON). Hoje, o maior investidor em papéis ON da Eletrobras é o Banco Máxima, do bilionário paulista João José (Juca) Abdala, com cerca 7%. Aparentemente, o único interesse de Juca Abdala é ter mais influência no Conselho de Administração.
Entre os acionistas PN, a maior posição (cerca de 5,5%) é da 3G-Radar, criada pelos fundadores da 3G-Capital, empresa de investimento que reúne os três brasileiros mais ricos da lista da Revista Forbes: Jorge Paulo Lemann, Marcel Hermann Telles e Carlos Alberto (Beto) Sicupira, controladores da Ambev/Inbev, da Kraft-Heinz, Lojas Americanas e Burger King. Conhecidos por ‘mãos de tesoura’, pelos duros cortes de custos nas empresas que assumem o controle, o trio mira, há tempos, a Eletrobras. Na assembleia de 27 de abril o representante do 3G-Radar discordou do não pagamento de dividendos (3º ano de prejuízo) e criticou o superfaturamento em obras de hidrelétricas das quais a estatal é sócia, como Belo Monte (PA), Jirau e Santo Antônio (AC), Angra 3 e outras, em mais de R$ 140 bilhões. Nas mãos do trio haveria economia extra de R$ 50 bilhões na Eletrobras. Mas não é só isso que motiva o trio de bilionários surgidos do mercado financeiro.