NAS QUADRAS

Entrevista: Gustavinho Lima

Por PEDRO RODRIGUES
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Publicado em 12/01/2025 às 13:13

Alterado em 12/01/2025 às 13:18

Gustavinho Lima atualmente é comentarista e repórter da Liga Nacional de Basquete Foto: Pedro Chavedar

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Nesta série de entrevistas com grandes personalidades do basquete nacional e do NBB, tive o privilégio de conversar com um dos armadores mais importantes da história do NBB: Gustavinho Lima. Com uma trajetória brilhante, ele passou por equipes como Pinheiros, Mogi, Caxias, Basquete Cearense e encerrou sua carreira no Corinthians. Atualmente, segue contribuindo para o basquete como comentarista e colunista no UOL, mantendo viva sua paixão pelo esporte.

 

Como você avalia a temporada atual do NBB, que está bastante equilibrada, com times como o Franca oscilando no início?
Gustavinho Lima: Este ano está realmente insano! O equilíbrio se deve ao reforço e ao planejamento mais eficaz dos times da parte inferior da tabela, além de uma nova geração de treinadores que prioriza o trabalho coletivo. A antiga prática de contratar estrangeiros para pontuar isoladamente tem dado lugar a elencos mais bem montados, com foco no processo de construção em equipe. Isso resulta em um campeonato mais equilibrado, com surpresas como o Brasília e o União Corinthians, que estão jogando muito bem. A temporada promete ser inesquecível!

 

O Mogi de Paco Garcia
Gustavinho Lima foi peça fundamental na histórica campanha do Mogi das Cruzes no NBB 2013-2014, levando a equipe, com um dos menores orçamentos da liga, do 12º lugar na fase regular até as semifinais. O armador liderou o time em vitórias memoráveis, como a surpreendente eliminação do Pinheiros nas oitavas e a virada contra Limeira nas quartas. Apesar de não alcançar a final, o feito de Gustavinho e do Mogi marcou o basquete brasileiro, consolidando uma das trajetórias mais emblemáticas do campeonato.

 

Em 2012, o Mogi do técnico Paco García marcou uma era no basquete brasileiro. O que fez aquele time ser tão especial, e como conseguiram tanto sucesso, apesar das dificuldades da época?
O Mogi daquela época foi um time realmente marcante para mim. Joguei lá com muita felicidade em uma cidade que respira basquete. O projeto foi abraçado pela torcida, e isso fez toda a diferença. O técnico Paco García chegou com um estilo mais rígido, mas que trouxe uma disciplina fundamental ao time. Embora tenhamos enfrentado dificuldades para adaptar ao novo método, como perder jogos apertados, a união do grupo foi crucial. Superamos gigantes como Pinheiros e Limeira nos playoffs, com uma defesa forte e um jogo coletivo impressionante.

 

Qual foi o momento mais emblemático dessa trajetória?
O momento mais inesquecível foi a virada contra o Limeira, no quinto jogo. Estávamos perdendo por oito pontos faltando dois minutos e conseguimos uma virada inacreditável. A torcida do Mogi, que lotou o ginásio e até dormiu lá para garantir ingressos, foi fundamental. A conexão com a torcida foi algo único, e aquele abraço coletivo no final do jogo é algo que guardo com muito carinho até hoje. Apesar de enfrentarmos o Flamengo, uma verdadeira dinastia na época, nosso time nunca deixou de acreditar e conquistou feitos históricos.

 

O Flamengo era um time “tranquilo” de se jogar, né? Mediano, mediano.
[Risos] Mediano, né?

 

Quando vocês chegaram nessa semifinal, estavam muito empolgados. Ficou aquele pensamento na cabeça do tipo “Se não fosse aquele errinho aqui ou ali, de repente a história poderia ter mudado”?
Total! Isso é muito interessante de pensar. A gente fica se perguntando: "E se tivesse sido diferente?". Mas olha, vamos lembrar: estamos falando, na minha opinião, do melhor time da história do NBB. Era o Flamengo, com Marcelinho Machado, Marquinhos, Vítor Benite, Olivinha... Gegê, Daniel Lório, e o Felício saindo do banco. Era uma máquina, sabe?

 

Uma verdadeira seleção, né?
Exatamente! Talvez o Hermann ainda estivesse por lá, mas acho que ele chegou em 2014. Enfim, mesmo sem ele, era um time muito difícil de bater. A gente sabia que ganhar deles seria quase impossível.

 

Mesmo assim, vocês conseguiram vencer o jogo 2 no Rio, o que foi algo marcante.
Sim! Foi uma vitória incrível. E olha, isso teve muito a ver com a visão do Paco (nosso técnico). Ele era um cara brilhante, com um plano tático defensivo impecável. Nosso time era super bem preparado defensivamente, muito coletivo. Mas o que marcou esse momento foi a abordagem dele fora da quadra.

 

Como assim?
Antes do jogo 2, estávamos muito desgastados. Perdemos o primeiro jogo e estávamos cansados, tanto fisicamente quanto mentalmente. O Paco tinha marcado uma reunião durante a nossa folga, e todo mundo ficou revoltado, pensando: "Lá vem ele, cortando nosso descanso pra falar de trabalho de novo".

 

E o que aconteceu?
Ele nos surpreendeu! No meio do trajeto, ele revelou que, em vez de qualquer reunião, ele tinha comprado ingressos para todos visitarem o Cristo Redentor. Foi uma sacada genial. Esse momento de relaxamento, convivência e absorção da cultura carioca foi um divisor de águas. Todo mundo tirou fotos juntos, deu risada... Foi um alívio mental que estávamos precisando.

 


Gustavinho parte para a cesta jogando pelo Mogi Foto: LNB


 

E o resultado veio logo depois.
Exatamente. No jogo seguinte, estávamos mais leves, mais conectados como grupo. Ganhamos do Flamengo no Rio! Foi incrível.

 

Mas depois, no jogo 3, as coisas ficaram complicadas novamente, né?
Sim. No jogo 3, em Mogi, eles endureceram bastante. Perdemos um jogo superapertado, decidindo nos últimos segundos. O Felício acertou uma bola de 3, depois veio outra bola do Laprovittola... Eles eram muito talentosos, né?

 

Faltou muito pouco para vocês levarem a série para o jogo 4 com mais equilíbrio?
Sim, faltou um detalhezinho. Se a gente tivesse fechado o jogo 3, talvez tivéssemos mudado a dinâmica da série. Poderíamos ter ido para o Rio com 2x2 e colocado uma pressão enorme neles.

 

Em 2016, fiz a cobertura do Jogo das Estrelas e te encontrei por lá. Você estava em Caxias na época e disse uma frase marcante durante um papo com o Fábio Balassiano, do Bala na Cesta. Você comentou que lá em Caxias o mês tem 30 dias. Como a realidade de atrasos salariais e questões fora de quadra afetaram a continuidade do time do Mogi e a trajetória de muitos atletas naquela época?
Esse problema de atrasos salariais não foi exclusivo do Mogi, mas afetou todo o basquete brasileiro, especialmente entre 2016 e os 15 anos anteriores. Muitos times viviam com dificuldades financeiras, enfrentando problemas de contratos e questões jurídicas. Em Caxias, a realidade era bem diferente: apesar de não recebermos grandes valores, os pagamentos eram feitos pontualmente, o que dava uma sensação de profissionalismo e respeito ao atleta.

Já em Mogi, o cenário era bem complicado. Durante a fase decisiva do campeonato, um jogador se recusou a jogar por conta de salários atrasados, o que gerou um confronto com o técnico Paco García. Na minha opinião, ele tinha todo o direito de não atuar, pois o problema não era dele, mas do clube. Eu também passei por uma situação difícil, pois fui dispensado depois de quatro temporadas, apesar de ter acreditado no projeto. A dificuldade financeira da equipe ficou ainda mais evidente quando, em uma temporada seguinte, o time contratou jogadores como Larry Taylor e Lucas Mariano, enquanto ainda tinha dívidas pendentes comigo.

Em 2016, entrou em vigor o "Livro de Dívidas" da Liga Nacional de Basquete, exigindo que os times regularizassem sua situação financeira para poder competir. Foi quando assinei um acordo com o Mogi para que o clube me pagasse em parcelas o que me devia, permitindo sua participação no campeonato. Essa situação revela como as questões financeiras impactam diretamente a carreira dos atletas e, muitas vezes, o público não tem noção disso. Enquanto os fãs cobram resultados, eles não sabem que o atleta tem contas a pagar e uma família para sustentar, o que torna a pressão ainda mais difícil de lidar.

Hoje, é importante discutir temas como a saúde mental dos atletas, que frequentemente é negligenciada. Eles enfrentam perdas pessoais, como o caso recente de David Jackson, que perdeu a mãe e teve que jogar no dia seguinte, sendo elogiado por sua performance. Mas será que ele deveria mesmo ter jogado?

A mesma cobrança ocorre com jogadores como o Vitão, do Corinthians, que teve um filho e foi questionado por sua liberação. Essas questões humanas muitas vezes ficam de lado, e o atleta é cobrado a todo momento para performar, esquecendo-se de que, por trás de cada ação, existe uma pessoa que precisa de suporte emocional.

 

O Corinthians e o esporte como plataforma de transformação social
Em 2018, o Corinthians voltou à elite do basquete brasileiro após 22 anos, conquistando a Liga Ouro com uma campanha histórica. Liderado por Gustavinho Lima, o título foi marcado por jogos épicos, como a final contra São José, e pela força do coletivo. Na comemoração, Gustavinho fez um manifesto marcante, trazendo visibilidade à pergunta “Quem matou Marielle?”, alinhando o título à tradição de lutas sociais do clube.

 

Em 2018, o Corinthians voltou a investir no basquete, após 22 anos sem equipe. Você foi parte dessa nova fase e, nesse mesmo ano, conquistou o título da Liga Ouro, garantindo o retorno ao NBB. Como foi esse convite para integrar o Corinthians?
Minha mãe sempre foi a maior incentivadora da minha carreira. Ela estava com câncer, e eu tomei a decisão de parar de jogar para cuidar dela. Eu estava em Fortaleza, e voltei para São Paulo para ficar perto dela. Durante esse tempo, recebi propostas de outros times, mas não quis aceitar, pois queria me dedicar a ela. Depois que minha mãe faleceu, eu fiquei um tempo sem time, treinando por conta própria, com o apoio do meu irmão, que é preparador físico. Foi então que surgiu a proposta do Corinthians.

 

Esse retorno ao basquete parecia algo muito simbólico. Como você viu o momento de aceitar essa proposta após a perda da sua mãe?
Aceitar a proposta do Corinthians foi muito mais do que uma decisão profissional. Foi uma maneira de homenagear minha mãe e retribuir tudo o que ela fez por mim. Muitos me disseram que ela estava "lá em cima", ajudando nesse momento, e isso me emocionou muito. Quando entrei para o time, me senti com uma responsabilidade enorme, tanto com o clube quanto com o legado da minha mãe. E, naquele momento, senti que não poderia mais deixar passar os meus princípios. Isso ficou claro quando eu levantei o punho, como um gesto simbólico de apoio à democracia em 2018, e postei na internet "basquete na democracia". Foi um ato simples, mas cheio de significado.

 

Nesse mesmo contexto, você se posicionou também sobre o assassinato de Marielle Franco, algo que se tornou muito significativo naquele ano. Como surgiu a ideia de usar a camiseta "Quem Matou Marielle"?
O assassinato de Marielle foi um choque profundo. Ela representava tantas bandeiras importantes, como os direitos humanos e a luta contra o racismo, e sua morte brutal em 2018 refletiu um Brasil em crise. A ideia de usar a camiseta "Quem Matou Marielle" veio de um amigo, o Renato Atuatti, que é artista plástico. Ele propôs essa ação, e eu não pensei duas vezes em aceitar. Queria aproveitar a visibilidade do esporte para levantar essa questão, especialmente em um contexto tão polarizado como o que estávamos vivendo. Infelizmente, a apuração do caso ainda estava muito lenta, e senti que o esporte deveria fazer mais, como agente de transformação social, para trazer à tona essa discussão.

 

O uso da camiseta foi feito durante a final da Liga Ouro, quando o Corinthians se sagrou campeão. No entanto, parece que a mídia não abordou a mensagem na camisa. Como você viu a falta de questionamento sobre o ato?
Gustavinho Lima: Foi impressionante como ninguém perguntou sobre a camiseta na transmissão ou nas entrevistas pós-jogo. A camiseta tinha um peso simbólico enorme, e eu esperava que houvesse mais questionamentos, pois estava levantando uma bandeira importante. Após o jogo, recebi o apoio de alguns jornalistas, como o Bala da Sexta, que sempre se posicionou de maneira crítica e necessária. No final, o que importa é que a mensagem foi transmitida, mesmo que de uma forma sutil. A memória de Marielle e a luta pela justiça continuam sendo importantes, e é fundamental que o esporte use sua visibilidade para chamar atenção a essas questões.

 

Ouça essa entrevista completa via áudio aqui 

 

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