Djokovic encanta público, se veste de Guga e esbanja irreverência no Rio
No Rio de Janeiro, existe o jargão popular do "pinto no lixo", quando alguém se sente livre, leve e solto, como se estivesse em casa, aproveitando tudo ao máximo. Como se não houvesse amanhã. Foi exatamente desta forma que o sérvio Novak Djokovic se sentiu no Rio de Janeiro, mais especificamente no ginásio do Maracanãzinho, no duelo de exibição contra o brasileiro Gustavo Kuerten neste sábado.
Afinal, que tenista ocupando o posto de melhor do mundo cairia no samba, ficaria rodeado de bumbuns de mulatas, tiraria a camisa para fotos ao lado de modelos em quadra, e, brincando, ainda faria o torcedor sair com o sentimento de que valeu cada centavo gasto ao disparar bolas precisas, quando tentava jogar mais seriamente?
Além disso, qual tenista não só imitaria o anfitrião com uma peruca e seus trejeitos como entraria, ao final do embate, com uma camisa em sua homenagem, puxaria o coro do público e proporcionaria a Guga, como se revivesse Roland Garros, a oportunidade de desenhar um coração no saibro e se jogar ao chão agradecido? Mais que um tenista profissional, Novak Djokovic provou neste sábado que é um verdadeiro showman. Isso tudo, vale lembrar, num esporte tido como de elite.
"É sua terra, seu povo, você merecia ganhar", disse o sérvio em resposta ao brasileiro, ciente de que o atual número um do mundo não deu seu máximo na vitória de Kuerten por 2 sets a 0, parciais de 7/6 (11-9) e 7/5. "O Guga é um dos caras mais amáveis e carismáticos e hoje ele provou isso. Vem de um país com um grande coração e espírito. O Brasil possui 200 milhões de habitantes; a Sérvia, apenas sete milhões. Mas somos muito parecidos, somos felizes, engraçados e temperamentais. Muito obrigado por esta noite", completou Djokovic.
Crônica de um espetáculo de tênis
Logo no primeiro game do confronto-exibição, Novak Djokovic provou que seu talento para a modalidade, que o elevou ao status de melhor tenista do mundo, é proporcional aos seus dotes artísticos. A ponto de deixar o carismático e maior tenista brasileiro de todos os tempos em segundo plano, como se ele fosse tímido.
Na recepção do saque de Guga, a dancinha tradicional com o bumbum rendeu assovios da arquibancada, devidamente agradecidos pelo sérvio, obviamente. Kuerten, por sua vez, seguia uma outra missão: tentava provar acima de tudo que ainda pode dar trabalho a grandes nomes do circuito. E, de fato, suas esquerdas ainda surpreendem e renderam diversos aplausos do sérvio. Claro que não faltaram os tradicionais gritos na hora da devolução.
O público, que lotou o ginásio do Maracanãzinho, ainda um pouco desacostumado com o silêncio que impera nos jogos de tênis, vira e mexe, soltava um "vai pra cima dele, Guga!". O fato é que, em todo o momento, quem guiou as ações da partida - quer dizer, do show particular - foi ele, Djokovic. Pouco importava o resultado.
Mesmo com uma quebra de saque do brasileiro, Novak se manteve firme para se divertir em quadra e ainda bajular os torcedores com uma bandeira do Brasil no banco de descanso. Também não se conteve aos chamados de um setor das arquibancadas, todo enfeitado com as cores da Sérvia, e correu para o abraço.
Ao observar um garoto nas arquibancadas segurando uma raquete de tênis, tratou de de paralisar a partida e levou a criança para o saibro. Ausentou-se e o deixou batendo bola com Guga. O fã mirim não se intimidou, devolveu as bolas fracas lançadas e levou os torcedores ao delírio. Em outro momento "fanfarrão", o número 1 do mundo trocou de lugar ainda com pegadores de bola. Tomou-lhe a toalha, as bolinhas e, com as mãos para trás, fez a pose clássica de quem aguarda o profissional servir para o jogo. Papéis totalmente invertidos.
Quando um torcedor gritou justamente na hora do seu serviço, o sérvio não fez por menos: após a rebatida de Guga, devolveu o mesmo grito, no mesmo tom. Até quando usou da seriedade não deixou de fazer travessura: acertou em cheio a cabeça do juiz de linha. Desculpou-se, colocou a culpa na raquete, devidamente trocada.
Contando com o clima de férias do tenista número 1 do mundo, Guga dava o tom de nostalgia nas arquibancadas, com fãs ainda saudosos de quase 12 anos atrás, quando o posto mais alto do topo da ATP pertencia ao brasileiro.
Mesmo se revoltando com algumas bolas que o sérvio o obrigava a correr, reclamando que "dez anos atrás alcançaria", ao devolver a quebra de serviço de Djokovic, Kuerten levou o jogo para o tie-break. E, com dois belos serviços, venceu o primeiro set - para "desespero" do sérvio, que se jogou no chão, como se estivesse sofrendo.
pós nova performance no intervalo, com os dois protagonistas, claro, dançando ao som de Michel Teló, com 'Ai, se eu te pego', a fanfarronice teve o seu ponto alto. Djokovic foi ao banco de descanso, sacou sua peruca encaracolada e passou a imitar Kuerten. Primeiramente, o giro no quadril, como quem sente as mesmas dores. Depois, os trejeitos do catarinense. E, claro, os gritos de devolução.
Nem importava mais o resultado da partida, vencida por Guga, após levar também os segundo set. Novak Djokovic provou que não é só o melhor tenista do mundo da atualidade. É também o melhor nome, sem sombra de dúvidas, para partidas de exibição como essa. Afinal, monotonia não é com ele. De jeito nenhum.