Ajuda humanitária à Venezuela recua após bloqueio violento de militares
Cargas de ajuda humanitária para a Venezuela, geridas pelo líder opositor Juan Guaidó, tiveram que recuar neste sábado (23) diante do bloqueio ferrenho imposto pelos militares, em meio a distúrbios que deixaram dois mortos e dezenas de feridos nas fronteiras com o Brasil e a Colômbia.
Ao menos duas pessoas morreram, um adulto e um adolescente de 14 anos, atingidos por disparos, em santa Eleta de Uiarén, no estado de Bolívar (sul), segundo a ONG Fórum Penal, crítica ao governo, pela "repressão militar". Na sexta-feira, uma mulher havia morrido em confrontos na mesma região.
Na fronteira com a Colômbia, os militares impedira, com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, a entrada de centenas de manifestantes e furgões carregados com alimentos e medicamentos pelas pontes que ligam as cidades venezuelanas de Ureña e San Antonio à colombiana Cúcuta, maior centro de armazenamento de ajuda.
Dois dos caminhões que transportavam ajuda foram incendiados na ponte fronteiriça Francisco de Paula Santander, entre Cúcuta e Ureña, e dezenas de pessoas tiravam sacos e caixas para evitar que as chamas consumissem a carga. Os seguidores de Guaidó acusaram civis armados apoiadores de Maduro. O governo, por sua vez, responsabilizou o opositor e o presidente colombiano, Iván Duque, pela violência.
"Esta ação pacífica e de caráter humanitário foi interrompida a partir da Venezuela sob o regime usurpador de Maduro com uma repressão violenta e desproporcional", disse o chanceler Carlos Holmes Trujillo, ao anunciar o recuo dos caminhões.
Guaidó anunciou mais cedo que a ajuda havia passado a fronteira com o Brasil, mas os caminhões levando ajuda humanitária precisaram voltar à cidade fronteiriça de Pacaraima na tarde deste sábado, após ter permanecido dias estacionados na fronteira, comprovou a AFP.
A mobilização para fazer entrar a ajuda foi "impressionante" e "enfraqueceu ainda mais Maduro, mas não foi o golpe de misericórdia", avaliou Michael Shifter, de Diálogo Interamericano, em Washington.
O líder opositor, reconhecido como presidente interino por uns 50 países, está em Cúcuta desde a sexta-feira, desafiando uma ordem judicial que o impede de deixar o país. Dali, responsabilizou o "regime usurpador de Maduro" pelo ocorrido.
Em meio aos confrontos em Táchira, desertaram pelo menos 60 membros das forças armadas venezuelanas, militares e policiais, que passaram para o lado colombiano, informou a Migração da Colômbia.
Em Caracas, milhares de opositores, vestidos de branco e agitando bandeiras venezuelanas, protestaram em frente ao aeroporto militar La Calota, enquanto Maduro presidia uma marcha multitudinária de simpatizantes, durante a qual anunciou o rompimento de relações com a Colômbia.
A Polícia colombiana deu proteção aos membros das forças de segurança desertores e um deles, vestindo uniforme da Guarda Nacional Bolivariana, chorou com as mãos para o alto, após agradecer por ter podido cruzar a fronteira.
Guaidó ofereceu anistia aos membros das forças de segurança, base de sustentação do governo, que romperem com Maduro.
"Os soldados com os quais conversei responderam ao seu desejo de vida e futuro para seus filhos, que o Usurpador não lhes garante", declarou Guaidó, após se reunir com vários deles em Cúcuta.
Para o analista David Smilde, especialista em Venezuela do Escritório de Washington na América Latina (WOLA), "a oposição buscou pôr os militares na mira e estimular deserções significativas". No entanto, destacou, "só teve êxito em uma escala muito pequena".
As fronteiras da Venezuela com a Colômbia e com o Brasil foram fechadas por ordem de Maduro, que considera a ajuda um pretexto para uma intervenção militar dos Estados Unidos.
"Presidente (Maduro), esta é a sua Força Armada, veja como atiram em nós!", denunciou José David Morales, de 45 anos, enquanto mostrava restos de projéteis disparados em El Salto, Bolívar, onde moradores exigiam a passagem da ajuda pela fronteira com o Brasil.
O lançamento da operação humanitária provocou o anúncio de Maduro do rompimento de relações com a Colômbia, que reconhece Guaidó como presidente encarregado.
"Decidi romper todas as relações políticas e diplomáticas com o governo fascista da Colômbia e todos os seus embaixadores e cônsules devem sair em 24 horas da Venezuela. Fora daqui, oligarquia!", disse Maduro neste sábado a uma multidão em Caracas.
Mas a Colômbia diz que não reconhece o governo "usurpador", nem seu anúncio de rompimento de relações.
Para lançar a operação humanitária, acompanharam Guaidó os presidentes da Colômbia, Iván Duque; do Chile, Sebastián Piñera; e do Paraguai, Mario Abdo, assim como o secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro.
Maduro, apoiado, entre outros países, pela Rússia e a quem o alto comando militar reitera frequentemente sua "lealdade irrestrita", assegurou que nunca renunciará à Presidência.
"Estou mais firme do que nunca, firme, de pé, governando nossa pátria agora e por muitos anos", clamou Maduro, dirigindo-se aos chavistas que marcharam por Caracas sob o lema "Hands off Venezuela" (Tirem as mãos da Venezuela).
"Nunca vou me dobrar, nunca vou me render. Sempre defenderei a nossa pátria com a minha própria vida, se for necessário", assegurou Maduro, insistindo em que o presidente americano, Donald Trump, quer se apropriar das riquezas do país que tem as maiores reservas de petróleo do mundo.
Há outro centro de armazenamento na ilha caribenha de Curaçao, onde voluntários venezuelanos esperam um barco sair apesar de o governo de Maduro ter suspendido as partidas e os voos para esse território.
O navio, que zarpou neste sábado de Porto Rico, território americano no Caribe, levando carga de ajuda humanitária para a Venezuela "recebeu ameaça direta de fogo por parte de navios venezuelanos", informou o governador porto-riquenho, Ricardo Rosselló.