No Catar, sul-americanos defendem novo sistema financeiro mundial
JB Online
DOHA - Os líderes sul-americanos que participaram nesta terça-feira da Segunda Cúpula América do Sul-Países Árabes (Aspa), realizada no Catar, defenderam a reforma do sistema financeiro internacional e pediram respostas para minimizar o impacto da crise sobre as nações emergentes e subdesenvolvidas.
Primeira a discursar na sessão plenária da cúpula, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, disse que "é necessário discutir uma nova ordem a partir do fracasso dos organismos internacionais".
Ela assegurou que levará à reunião do G20, que ocorre na quinta-feira em Londres, a urgência de definir políticas para a economia real, "que é a que produz emprego e trabalho".
Cristina ressaltou que apresentará na Inglaterra uma posição alinhada às de Brasil e Arábia Saudita, como havia adiantado ontem seu chanceler, Jorge Taiana. Segundo ela, tal postura consistirá em "ressaltar que esta crise sem precedente desde 1930 não pode ter os países emergentes entre seus causadores".
Das 22 nações da Liga Árabe e 12 sul-americanas que participaram do encontro de hoje, apenas Brasil, Argentina e Arábia Saudita estarão na cúpula do G20.
- Quero assumir diante de vocês o compromisso de levar a voz dos países emergentes, daquelas economias que talvez não figurem nos grandes registros, mas que representam milhões de seres humanos - disse Cristina.
Em sua intervenção, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também se referiu ao G20, afirmando que tanto os países sul-americanos quanto os árabes deverão levar à cúpula propostas de medidas para evitar que a crise gere um "terremoto social e político".
- Em poucos dias, chefes de Estado se reúnem em Londres para enfrentar uma crise econômica sem precedentes - disse Lula, referindo-se à reunião de quinta-feira.
- O mundo estará atento para saber se a América do Sul e os países árabes serão capazes de propor medidas que evitem que uma crise financeira se transforme em um terremoto social e político - complementou.
Lula também defendeu a discussão de um novo marco regulatório para o sistema financeiro, a fim de tornar as operações mais transparentes, e a democratização de organismos internacionais, que devem ser capazes de impulsionar o comércio e restabelecer a disponibilidade de crédito.
Ele voltou a afirmar que a responsabilidade de buscar soluções caberá às nações ricas, e cobrou uma maior presença das economias emergentes nos debates de âmbito mundial.
- Somente assim os países que mais contribuíram para a crise, para a degradação do meio ambiente, para o desequilíbrio no comércio e para a insegurança assumirão suas responsabilidades, e somente assim os países em desenvolvimento terão voz e representação adequadas - argumentou.
O presidente ainda condenou o protecionismo e manifestou apoio à continuidade da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Segundo ele, nenhum país conseguirá superar a crise com ações isoladas, sem solidariedade e espírito de cooperação.
Além de suas participações durante a Aspa, Lula e Cristina mantiveram ainda uma reunião bilateral, na qual reiteraram o compromisso de apresentar posições alinhadas durante o G20.
Além deles, outros seis chefes de Estado da região estiveram presentes hoje no Catar. Foram eles Michelle Bachelet (Chile), Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia), Fernando Lugo (Paraguai), Runaldo Ronald Venetiaan (Suriname) e Bharrat Jagdeo (Guiana).
Michelle Bachelet condenou práticas protecionistas e demonstrou preocupação com as consequências sociais e políticas da crise. Além disso, manifestou apoio ao desenvolvimento do comércio.
Já Evo Morales pediu em seu discurso que os governos definam "posições concretas contra o império e o capitalismo", e defendeu uma mudança no modelo econômico em direção ao socialismo.
- Buscamos viver em complementaridade, e não em concorrência. Queremos viver em solidariedade, e não buscando escravidão em alguns continentes ou regiões. Este deve ser o milênio da esperança - ressaltou.
O presidente do Paraguai, Fernando Lugo, citou por sua vez a aproximação com o mundo árabe como forma de "tirar seu país do isolamento internacional". Para ele, "integridade e solidariedade" são as únicas formas de "desenhar as cores do futuro".
Como presidente de turno do Mercosul, o mandatário indicou ainda que o bloco pode servir como mediador nas negociações de paz no Oriente Médio.
Hugo Chávez indicou que os efeitos da crise, "que avança a cada dia", exigem a construção de uma agenda estratégica conjunta, na qual seriam incluídos planos para a produção de alimentos, geração de energia e desenvolvimento tecnológico.
- Ante a dinâmica desta crise, cabe perguntar-se como aproveitar este tipo de reuniões, como a que estamos realizando aqui (no Catar), para que não desperdicemos a oportunidade e tomemos nosso posto na batalha pelo futuro - sustentou.
O presidente venezuelano sugeriu a criação de um fundo de investimentos conjunto, que contaria com aportes de nações árabes e da América do Sul.
- Poderíamos definir uma equipe que vá trabalhando e idealizando sistemas de compensação de comércio, até uma nova moeda de intercâmbio - argumentou.