Kissinger não agiu para impedir crimes da Operação Condor
Agência AFP
WASHINGTON, EUA - O ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger ignorou os esforços de Washington para se evitar crimes políticos no Cone Sul, como o que matou o ex-chanceler chileno Orlando Letelier, revelaram documentos publicados por uma organização americana.
Assim, no dia 16 de setembro de 1976, apenas quatro dias antes da execução de Letelier em um atentado em Washington, Kissinger suspendeu instruções para que os diplomatas americanos no Chile, Argentina e Uruguai se pronunciassem contra os assassinatos internacionais de opositores aos regimes militares, segundo documentos obtidos sábado no Arquivo de Segurança Nacional (NSA).
Neste dia, o secretário de Estado "instruiu" seus diplomatas a "não adotar mais qualquer ação sobre esta matéria", revela uma organização independente que se dedica a publicar documentos do NSA.
Três semanas antes desta instrução, o departamento de Estado havia orientado seus diplomatas no Cone Sul a manifestar a preocupação de Washington sobre os planos de assassinato de políticos e líderes da oposição.
A determinação de Kissinger, feita por telegrama, "é a peça que faltava no quebra-cabeça histórico sobre seu papel na ação, ou falta de ação, do governo dos Estados Unidos para impedir os crimes praticados na Operação Condor", disse Peter Kornbluth, analista de NSA.
"Agora sabemos o que ocorreu: o departamento de Estado iniciou um esforço para impedir os assassinatos no Cone Sul, mas Kissinger bloqueou estes planos", disse Kornbluth.
Se Kissinger não tivesse suspendido a orientação aos governos do Cone Sul, poderia ter "impedido um ato de terrorismo em Washington".
O telegrama de Kissinger foi descoberto por um analista da NSA entre milhares de telegramas de 1976 liberados pelo departamento de Estado.
--- O que foi a Operação Condor ---
Os apetites territoriais dos ditadores da Argentina, Jorge Videla, e do Chile, Augusto Pinochet, puseram ambos os países à beira da guerra em 1978, pela posse do canal de Beagle, mas não impediram que mantivessem uma sociedade para coordenar a repressão junto a outros regimes sul-americanos, através do Plano Condor nos anos 70.
A "Operação Condor" foi aplicada nos anos 70 e 80 pelos regimes militares da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai para eliminar os oposicionistas.
A "Operação Condor", que deixou centenas de vítimas desaparecidas, nasceu durante a Primeira Reunião de Trabalho da Inteligência Nacional, realizada em Santiago, entre 25 de novembro e 1 de dezembro de 1975, segundo a documentação acumulada em investigações.
O incentivador da iniciativa foi o então coronel Manuel Contreras, fundador da DINA, a polícia secreta do regime do general Augusto Pinochet, mas o plano também contou com o apoio de agentes dos Estados Unidos.
"A Operação Condor representou um esforço cooperativo de inteligência e segurança entre muitos países do Cone Sul para combater o terrorismo e a subversão", assinalava um informe desarquivado pela Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos, no dia 22 de agosto de 1978.
O informe acrescentava que "o coronel Manuel Contreras, chefe da DINA, iniciou um programa de colaboração entre os serviços de inteligência de diferentes países da América do Sul, o qual batizou como Plano Condor".
"Há informação adicional de que a cooperação entre os países incluiria planos para assassinar subversivos, políticos e figuras proeminentes dentro dos limites do país", assinalava outro documento da CIA, datado de 16 de agosto de 1976.
Um dos mais perseverantes investigadores da "Operação Condor" é o advogado paraguaio Martín Almada, que descobriu em seu país os chamados "Arquivos do Terror": dezenas de milhares de documentos que mostravam pela primeira vez, de forma oficial, as operações coordenadas entre as ditaduras do Cone Sul.
Durante uma visita a Santiago, em setembro de 2001, Almada afirmou que Pinochet e Contreras lançaram uma "guerra santa" para eliminar a oposição no Chile e em outros cinco países da região.
"Eles globalizaram o terrorismo e não se deram conta de que, 25 anos depois, viria a globalização da justiça através de Baltasar Garzón", resumiu Almada, fazendo alusão ao juiz espanhol que, em outubro de 1998, conseguiu que o general Pinochet fosse detido em Londres, desencadeando o processo de punição dos crimes cometidos pelo ex-ditador.