Europa: troca-troca de líderes não salva população de medidas austeras

Por Annaclara Velasco

Ao contrário do que aconteceu nas últimas eleições francesas, quando figuravam no segundo turno dois representantes da direita – um de centro, Nicolas Sarkozy, e um de extrema-direita, Jean-Marie Le Pen – a esquerda se apresentou como uma saída para a população, acuada pela implementação das tão temidas medidas de austeridade. François Hollande é o favorito e tudo indica que será eleito. Apesar da terceira candidata, Marine Le Pen, de extrema-direita, ter ficado em terceiro lugar com 18% dos votos, é provável que mesmo a semelhança dos discursos não rendam a Sarkozy todos os eleitores da filha de Jean Marie. 

Desde o início da crise econômica, diversos países mudaram suas governanças como uma tentativa de fugir do inevitável, mas o tiro muitas vezes saiu pela culatra. Mesmo com novas lideranças, as medidas foram implementadas e a população europeia hoje sofre com grandes cortes, alto índice de desemprego e muita tensão social.  O professor do departamento de Sociologia da PUC-Rio, Ricardo Ismael, observa que a crise é tão grande que caíram governos tanto de esquerda quanto de direita.

“O eleitorado está substituindo os governos para tentar uma nova liderança. A Europa tem feito um processo de renovação de lideranças, na Itália, na Grécia, no Reino Unido. É um processo muito dramático, com o desemprego muito alto. O eleitorado está em busca de novas lideranças, a avaliação é ruim para todas elas”, diz.

A divisão simplista entre partidos de direita e partidos de esquerda é que este costuma se preocupar mais com o bem-estar social, garantir direitos plenos ao povo, evitando cortes na saúde, educação, emprego, previdência social e outros setores que afetam diretamente a população. Se Hollande for eleito, esta não será a primeira vez que um candidato democrata é eleito em meio a uma crise do sistema. O presidente norte-americano, Barack Obama, por exemplo, foi eleito em meio a uma situação parecida. Apesar de ser visto como uma saída, muitos governos de esquerda podem ser obrigados a tomar medidas austeras.

“Isso aconteceu com Gordon Brown, por conta da dificuldade de financiar a dívida pública, aconteceu na Espanha, com o Zapatero, na Grécia com o Papandreou. Normalmente existe esta divisão entre direita e esquerda, mas vai depender se o país tem ou não autonomia para realizar a política que deseja”, explica Pedro Paulo Bastos, professor de Economia da Unicamp.

O sociólogo Ivo Lesbaupin, professor da UERJ e coordenador da Iser Assessoria, alerta que o novo governo pode se sair pior que a encomenda e implantar medidas ainda mais austeras que as do governo da situação, mesmo sendo de esquerda. Ele analisa que os partidos políticos, que na Europa eram claramente definidos, hoje estão pasteurizados.

 “Parece que tem um poder econômico acima da política que determina suas ações. A maioria dos países da Europa elegeu o governo em oposição ao governo da situação. Votaram contra esse governo, mas elegeram um que vai levar ainda mais as medidas à frente. Na Itália, por exemplo, o Mario Monti está radicalizando a posição tomada por Berlusconi. O BCE está dirigindo mais os países da Europa do que os chefes de Estado”, critica.

Tensão social

O descontentamento da população europeia, pouco acostumada a perdas econômicas, se mostra através de revoltas sociais. Governos transferem a renda da população para pagar as dívidas dos bancos, o que acaba “livrando a cara” dos próprios causadores da crise. Não à toa grandes movimentos sociais, como os indignados, se alastraram pelo continente. Para Lesbaupin, isso mostra o quanto a população está irritada com os direitos que lhes foram tirados.

“Na França, por exemplo, os idosos tinham direito ao reembolso de todos os remédios. Nos últimos anos, a cada ano se elabora uma nova lista de remédios que sai da lista de reembolso. O governo vai comendo pelas beiradas, tirando os direitos aos poucos. Os professores não dão mais 40 horas de aula por semana, dão 50, 60 horas. Como a linha neoliberal é diminuir os recursos nas políticas sociais, a população está sofrendo as consequências”, constata o sociólogo.

Os princípios democráticos estão sendo preteridos. Mesmo com a população nas ruas, pedindo outra abordagem, as medidas são impostas. O único país que conseguiu se esquivar da austeridade foi a Islândia que, através de dois plebiscitos, exigiu outra solução do governo.