Papa pede 'almas abertas' para encíclica ambiental
O papa Francisco afirmou nesta quarta-feira (17) que sua nova encíclica sobre ecologia, que será publicada mundialmente nesta quinta (18), faz um chamado para que o ser humano lembre de sua responsabilidade de cuidar do planeta. "Esta nossa 'casa' está sendo arruinada e isso tem ferido a todos, principalmente os mais pobres. O meu apelo, portanto, é para a responsabilidade no cumprimento da tarefa que Deus deu ao ser humano: criar e cuidar do jardim", disse o líder católico durante a audiência geral, no Vaticano. "Peço para todos acolherem de almas abertas esse documento, que está em linha com a doutrina social da Igreja", acrescentou.
A encíclica, considerada o documento papal mais importante, será a primeira redigida exclusivamente por Jorge Mario Bergoglio, já que a publicada em junho de 2013, a "Lumen Fidei", tinha sido iniciada por seu antecessor, Bento XVI.
Com 191 páginas e intitulado "Laudato Sii" ("Louvado Seja"), o texto é dedicado aos temas do meio ambiente, da ecologia e da desnutrição. Em entrevista à ANSA no ano passado, o teólogo brasileiro Leonardo Boff havia antecipado o assunto do documento e informado que enviara livros e estudos sobre essas questões ao Pontífice.
No entanto, apesar da expectativa mundial em torno da encíclica do Papa, que tem despertado o interesse público por seu carisma e desenvoltura, especialistas do setor ainda estão céticos quanto ao seu impacto nas políticas públicas.
"Não acredito que um governo seja influenciado pela encíclica. O impacto será maior sobre a opinião pública, com repercussões na comunidade católica, e não em termos de governo", disse à ANSA o professor titular de ciência ambiental da USP, Pedro Jacobi.
"A encíclica tem essa finalidade de alertar, é um chamado para dizer 'olhem, sociedade e governantes, é importante que vocês tenham mais mobilização, cada vez mais sensibilidade em relação ao tema da mudança climática, porque ela pode afetar a vida dos seres humanos no planeta'", ressaltou.
Já para o diretor de políticas públicas do Greenpeace Brasil, Sérgio Leitão, o documento marca o reconhecimento definitivo da importância da questão ambiental, que até então não tinha recebido por parte da Igreja a dedicação específica de uma encíclica.
Papas anteriores, como João Paulo II e Bento XVI, chegaram a tratar do tema, mas é a primeira vez que o documento mais importante feito pelo líder do catolicismo é totalmente voltado ao meio ambiente e às mudanças climáticas. Para Leitão, o texto pode representar a mesma importância que a encíclica "Rerum Novarum", escrita por Leão XIII em 1891, teve para a questão social.
Em um momento de forte tensão entre empresariado e operários na Europa, o documento tratava dos desafios levantados pela revolução industrial do século XIX e defendia o direito dos trabalhadores de formarem sindicatos. "Quando o Papa fez a 'Rerum Novarum', isso foi fundamental para que a justiça social entrasse definitivamente na pauta. De certo modo, ela seguia por uma linha de intermediação entre paixões tão exacerbadas e conflitantes", explicou o diretor.
O tema é outro, mas o contexto é bem parecido. Entre o fim de novembro e o começo de dezembro, Paris receberá a Conferência de Mudanças Climáticas das Nações Unidas de 2015 (COP21), onde países com interesses distintos e muitas vezes opostos tentarão chegar a um acordo sobre a melhor maneira de enfrentar o aquecimento global, algo que parece ainda muito longe de ser alcançado.
"No momento em que você tem um bloqueio nas negociações internacionais para resolver a questão do aquecimento global, esperamos que o documento do Papa possa servir como um indutor para resolver o impasse atual e para que cada país faça a sua parte", salientou Leitão. Além disso, devido à capilaridade da Igreja Católica no mundo, ele acredita que a encíclica pode levar a reflexão sobre o meio ambiente aos lugares mais remotos. "Ela vai indicar que há uma grave desordem do ponto de vista ambiental e que é responsabilidade do ser humano causar esse desequilíbrio. Na linguagem da Igreja, é a obra de Deus perturbada pela ação humana", ressaltou.