'Clarín': Venezuela, ou as sobras do banquete do Mercosul
Matéria publicada nesta terça-feira (9) pelo jornal argentino Clarín conta que a comparação feita por um diplomata sul-americano, sob a condição do anonimato, é afiada e brutal: “O Mercosul é a mesa depois do banquete, ainda com sobras nos pratos e as taças manchadas com restos de vinho. E aí aparece a Venezuela tropeçando, aferrada à toalha da mesa”. A controversa ofensiva do chavismo para assumir a presidência temporária do bloco é um sinal de endurecimento e encapsulamento do regime, tão fraco quanto o próprio Mercosul. Este não é o único dado dessa guinada. O mais importante foi a nomeação do comandante Néstor Reverol para o Ministério do Interior. Essa designação é uma mensagem em diversos níveis. E constata o fortalecimento da figura do “falcão” Diosdado Cabello que, diferentemente do presidente Nicolás Maduro, é muito menos permeável a pressões externas.
O Clarín observa que ao mesmo tempo, a nomeação representa um bloqueio às moderadas negociações empreendidas com os EUA, porque escolhe um dos cinco militares venezuelanos que a DEA inclui em suas listas do tráfico de drogas. A liderança do não tão conhecido cartel de Los Soles, assim chamado pelo símbolo na jaqueta, seria, aparentemente, exercida por Cabello. A designação também é uma mensagem para o país. Reverol comandou a Guardia Nacional Bolivariana que, junto com as milícias bolivarianas, é uma força de cossacos para garantir repressão implacável se as penúrias da população levarem a uma rebelião. Ninguém na Venezuela pode garantir uma disciplina semelhante das Forças Armadas tradicionais, cuja oficialidade jovem se sente dividida entre a verticalidade e a desesperança de seus familiares e amigos diante da crise econômica arrasadora e do desabastecimento geral. Esse país caótico, onde as pessoas não sabem nem o que nem quanto poderão comer a cada dia, e onde o equilíbrio de poderes se despedaçou, considera que não deveria haver objeções para que assumisse a presidência do Mercosul.
O Clarín fala que existem aqui duas circunstâncias fortes. A ausência de um balanço institucional, a colonização da Justiça e a retirada de toda hierarquia do Parlamento só porque os venezuelanos votaram na oposição para liderá-lo, decompõem o sentido democrático do qual o regime se gaba. São falhas que não seriam perdoadas em um modelo que fosse ou que quisesse parecer ser de direita. Com essa manobra, o chavismo, que quer parecer de esquerda, constrói uma extorsão peculiar que impede, inclusive, de enxergar com clareza a identidade real do experimento venezuelano, mais próximo do último Mussolini do que do proclamado socialismo popular.
Mercosul
A Venezuela entrou no Mercosul pela janela, aproveitando a suspensão imposta ao Paraguai pelo impeachment de Fernando Lugo, país cujo Congresso não dava o aval para sua entrada. É preciso lembrar que no Mercosul as decisões são tomadas por consenso. E a situação atual da Venezuela é objetada não apenas pelo Paraguai, mas também pelo Brasil e pela Argentina, além do Uruguai, que na época aprovou a entrada do país aul-americano. Entrada peculiar porque Caracas nunca adaptou seu sistema tarifário ao dos seus novos parceiros. No Mercosul, é verdade, não há condições especiais para assumir o mandato rotativo. No entanto, o artigo 27 do protocolo estabelece que as decisões serão tomadas não apenas por consenso, mas também “com a presença de todos os Estados parte”. E é precisamente isso que não está acontecendo. O chavismo cometeu um erro ao se lançar dessa forma, porque mostrou sua debilidade de não poder convocar nem sequer uma reunião de técnicos do grupo e de participar à distância das reuniões com os parceiros para chegarem a alguma solução.
Existe algo ainda mais grave. Como o diplomata sugeria no começo, a crise potencializada pelo chavismo acelera a agonia de um bloco que, com quase 300 milhões de habitantes, chegou a ter um PIB somado de 3,3 bilhões de dólares. Era a quinta economia mundial e o segundo maior território alfandegário do planeta, superado apenas pela Rússia. Agora, no ano em que fez um quarto de século, o Mercosul, a brilhante criação de Raúl Alfonsín e José Sarney, é uma sombra daquele sonho.
De 2012 a 2015 o PIB encolheu para pouco mais de 2,7 bilhões de dólares.
A variação da economia do bloco, em dólares, é alarmante. Em 2013 encolheu -1,8%; em 2014, -3,04%; e no ano passado o precipício foi de -18,62%. Isso significa pura e simplesmente destruição de riqueza a níveis extraordinários. O Brasil e a Venezuela, e em alguma medida a Argentina, as três maiores economias do bloco, são as responsáveis pelo desastre.
Embora as porcentagens do abismo chavista sejam inigualáveis, o desabamento do crescimento brasileiro é o mais notável devido às características de estado-continente do país, a segunda economia das Américas. Em 2012, o Brasil tinha um PIB de 2,4 bilhões de dólares e em 2015 esse valor caiu para 1,7 bilhões de dólares, de acordo com o FMI. Uma perda que explica muito as calamidades políticas atuais do país.
O auge brasileiro foi atingido em 2010, quando o país cresceu 7,5%. Doze meses depois, o valor se reduziu à metade, 3,9%. E depois, teve uma queda livre até encolher -3,7% em 2015 e a mesma projeção para este ano.