Entenda a crise política no Paraguai

Manobra para alterar Constituição causou protestos e morte

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Por Tatiana Girardi - No último final de semana, a América do Sul foi abalada por uma crise inesperada. Uma manobra para aprovar uma emenda à Constituição do Paraguai, que permitiria a reeleição do presidente do país a partir de 2018, causou uma série de protestos violentos no Paraguai e a morte de uma pessoa.    

Mas, o que acontece no país vizinho? O Paraguai elaborou sua Constituição em 1992, logo após a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989), até hoje considerada a mais longa ditadura da América do Sul. Para evitar que o país caísse em novos governos autoritários, o mais importante documento da República criou uma cláusula que impedia a reeleição por vários mandatos - como ocorreu com Stroessner.    

Em 2016, os parlamentares tentaram aprovar uma manobra que incluía uma emenda constitucional que permitia a reeleição por uma vez do presidente atual e a tentativa de reeleição de um ex-mandatário no país. À época, o projeto foi derrotada na Congresso.    

No entanto, na noite da última sexta-feira (31), um grupo de 25 senadores se reuniu às pressas para aprovar a emenda - sem o consentimento da população ou em uma sessão que contasse com todos os 45 senadores da Casa.    

Ao saberem disso, manifestantes invadiram a sede do Congresso, atearam fogo no local e a polícia começou a reprimir os protestos pela capital paraguaia, Assunção. Em uma perseguição e invasão à sede do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), um dos líderes do movimento, Roberto Quintana, 25 anos, foi morto com nove tiros.    

Motivações: Para o professor de Direito Constitucional e Direitos Humanos da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Flavio de Leão Bastos Pereira, essa "manobra muito rápida, muito inesperada" acaba provocando a "desconfiança de uma tentativa de se manter no poder".    

"Uma emenda constitucional permitindo a reeleição de um chefe do Executivo, normalmente, tem que ser muito debatida e não pode ser feita correndo. Uma proposta de emenda à Constituição, como ela configura a lei máxima do Estado, como ela é o ápice do Estado, ela só pode ser alterada por processos muito solenes, com quóruns normalmente muito qualificados, mais altos e isso ocorre em todos os países da América do Sul", acrescenta Leão.    

O especialista em Direito Constitucional ressalta que não é apenas uma questão de mudança na lei o grande problema para o país, mas sim, que o "pano de fundo dessa crise que está caindo sobre toda a América do Sul é, na verdade, o princípio democrático".    

"Se a gente olhar pela análise conjuntural, Paraguai, Venezuela e Equador, onde as eleições foram contestadas, o que temos aqui é uma certa falta de maturidade dos países da América do Sul em relação à democracia", destaca ainda o professor.    

Como uma democracia recente, o Paraguai vem enfrentando uma série de mudanças. Em 2012, o então presidente Fernando Lugo, do Frente Gasú, sofreu também um rápido processo de impeachment, que o tirou do poder em poucos dias. Para seu lugar, foi eleito o atual mandatário da nação, o conservador Horacio Cartes.    

No entanto, agora, os dois partidos apoiam a medida de mudança de lei - que acabaria beneficiando tanto Cartes como Lugo nas eleições do ano que vem. E essa união poderá fazer com que a polêmica medida seja aprovada na Câmara dos Deputados, na próxima etapa da votação, onde Cartes conta com a maioria mais o apoio do Frente Gasú. A partir daí, o presidente poderá convocar um referendo sobre o tema.    

"Essa decisão agora precisaria ser negociada de maneira constitucional, no plenário, abertamente e inclusive, eles devem fazer isso, ao submeter ao referendo da população. Então, se ele [Cartes] quiser legitimar a decisão, ele fará um referendo", aposta Pereira. Apesar de previsto na Constituição, o referendo não é de convocação obrigatória nesse caso.

Mercosul

Atualmente, a inesperada crise no Paraguai se uniu a outra mais longa, a da crise na Venezuela durante o governo de Nicolás Maduro. As constantes tensões entre o bloco e os venezuelanos surgiram, principalmente, desde o ano passado, quando os governos de Argentina, Brasil e Uruguai ficaram mais à direita.    

O próprio governo paraguaio é um dos que mais faz críticas a Maduro.    

No entanto, como o bloco vai reagir a mais uma crise política? Para Pereira, "se a situação no Paraguai se agravar, certamente, ele será chamado para prestar esclarecimentos e conclamado a buscar soluções negociadas e políticas, isso é inevitável".    

"Agora, existe um componente ideológico [...] que me leva a crer que será muito mais fácil e palatável uma situação, no âmbito do Mercosul, com o Paraguai, que possui linhas afinadas com a visão político-ideológica desses quatro países do que com a Venezuela", diz ainda.    

Mesmo com essa visão, o professor ressalta que os governos da América do Sul devem "observar os tratados e acordos internacionais que eles assinam, tanto do sistema internacional e global, como regional".    

Pereira ressalta que esses documentos são fundamentais para a "manutenção da democracia e, por consequência, as liberdades individuais e sociais de todos".