Chris Potter cria suíte inspirada na Odisseia de Homero

Por Luiz Orlando Carneiro

Ouvi pela primeira vez o saxofonista tenor Chris Potter, então sideman, no derradeiro álbum do inesquecível trompetista bop Red Rodney (1927-1994), gravado em 1992, e intitulado Then and now (Chesky). O rapaz tinha menos de 20 anos, estava completando os estudos formais na Manhattan School of Music, mas já era uma “estrela em ascensão” - muito ciente das lições herdadas dos mestres do jazz (“then”), em dia com as novas tendências estilísticas (“now”) e pronto para um brilhante futuro.

Este futuro chegou logo, quando o saxofonista foi convocado para o quinteto do celebrado baixista-compositor Dave Holland, ao lado de Robin Eubanks (trombone), Steve Nelson (vibrafone) e Billy Kilson (bateria). Sua reputação consolidou-se com o lançamento, pela ECM, dos três excelentes CDs do quinteto gravados entre 1998 e 2001: Prime directive, Not for nothing e Extended play: Live at Birdland. A associação com Holland gerou ainda dois outros relevantes registros na etiqueta Dare 2, de propriedade do baixista: Critical mass (quinteto, 2005) e Pathways (oiteto, 2009).

Chris Potter também se destacou como parceiro do canonizado baterista-compositor Paul Motian (1931-2011), com o qual gravou para o selo Winter & Winter as sessões de 2006 do Trio 2000+2, no Village Vanguard. E - no mesmo clube, três anos depois – o primoroso Lost in a dream (ECM), com Motian e o pianista Jason Moran.

A partir de 2005, na condição de líder, o saxofonista formou e manteve uma “electric band” fusionista, a Underground, com ênfase nos backbeats de Nate Smith, nas distorções das guitarras de Wayne Krantz e Adam Rogers, e nos efeitos sonoros do Fender Rhodes do brilhante Craig Taborn. Embora a música produzida por esse grupo não tenha afinidade com a refinada trama harmônico-melódica dos conjuntos comandados por mestre Holland, a técnica e a criatividade do saxofonista-líder pairam impolutas por sobre a “nuvem” sônica. Este lado fusionista de Potter está bem registrado nos CDs Underground (Sunnyside, 2006) e Ultrahang (Artishare, 2009). 

Mas Chris Potter voltou à ECM para gravar, em setembro de 2011, o seu disco mais autoral, mais especulativo e mais surpreendente. Trata-se do recém-lançado The Sirens - uma suíte de sua lavra de nove partes, inspirada na Odisseia, de Homero. Seus companheiros de viagem são Craig Taborn (piano), o jovem pianista cubano David Virelles (piano preparado, efeitos na celesta e no harmonium), Larry Grenadier (baixo) e Eric Harland (bateria).

A melodia inebriante de Wine dark sea (8m40) exposta pelo sax tenor encorpado do líder, e comentada pelo baixo impecável de Grenadier e por Taborn, dá a largada para o desenvolvimento, em “formas abertas”, da suíte. Wayfinder (6m45) realça impressões de momentos mais dramáticos das peripécias de Ulisses, com o tenor de Potter explorando rotas surpreendentes num clima percussivo assimétrico criado pelos dois pianos e pela seção rítmica extraordinária (Vale lembrar que Grenadier e Harland são integrantes de dois dos mais importantes combos do jazz contemporâneo – o trio de Brad Mehldau e o quarteto de Charles Lloyd, respectivamente). Em Kalypso (8m20), peça de batida contagiante, tem-se a impressão de que quem sopra o tenor é o grande Sonny Rollins. 

Os momentos mais contemplativos do quarteto-quinteto de Chris Potter estão na faixa-título (8m30), na qual o líder “declama” o tema no clarinete baixo, seguido pelo contrabaixo com arco de Grenadier (dos 3m20 aos 5m), e retoma o sax-tenor para o solo conclusivo. No mesmo mood são interpretadas Penelope (7m15), com Potter no sax soprano; Dawn (with their rose fingers) (7m20); e a minimalista e etérea faixa final The shades (2m10), um dueto dos dois tecladistas.