Fred Hersch e Ralph Alessi: Um duo refinado

Pianista e trompetista gravam CD Only many 

Por Luiz Orlando Carneiro

O magnífico pianista Fred Hersch, 57 anos, e o underrated poeta do trompete Ralph Alessi, 50, já tinham registrado seus encontros musicais em dois álbuns fora de série: Pocket Orchestra/ Live at Jazz Standard (Sunnyside, 2008), um quarteto muito original com a vocalista australiana Jo Lawry e o baterista Richie Barshay; The Fred Hersch Trio + 2 (Palmetto, 2003), o trio básico do pianista (Drew Gress, baixo; Nasheet Waits, bateria) mais o trompetista e o saxofonista Tony Malaby.

Mas a etiqueta italiana CAM Jazz conseguiu reunir Fred e Ralph – desta vez em duo, simplesmente - para duas sessões de gravação em Nova York (junho de 2011 e maio do ano passado), das quais resultou o agora lançado CD Only many.

A partir de um “início de conversa” de 1m45, intitulado Ride, a dupla dialoga, com inteligência invulgar, em outras 13 faixas de duração média de quatro minutos. As variações em termos de mood e de tempo são sempre surpreendentes. Hands (4m35), a meditativa segunda faixa, de autoria do pistonista, é seguida de uma confabulação provocante do duo (Alessi usa a surdina) tendo como pretexto San Francisco holiday(6m20), um dos temas mais animados de Thelonious Monk.

O miolo do novo álbum é formado por três peças particularmente especulativas, melódica e harmonicamente assimétricas: Calder (4m45), uma “escultura” musical abstrata que faz jus ao título, se este for mesmo referente a Alexander Calder (1899-1976), o inventor dos móbiles; a faixa-título, Only many (3m45); Campbell(2m55).

Contudo, o momento culminante e musicalmente mais complexo do CD é Someone digging in the ground(10m) – uma meditação do imprevisível par de ases, bem free, aparentemente sem qualquer referencial temático. A dupla encerra o disco com outra introvertida reflexão, Snap (4m45), com realce para o trompete luminoso de Alessi, que não dispensa – como Enrico Rava e Tomasz Stanko – aquelas inesperadas escaladas atonais para o registro agudo do instrumento. O duo também interpreta, com extrema delicadeza e economia de notas, Blue midnight (5m10), composição do inesquecível baterista Paul Motian (1931-2011) por ele gravada no CD Lost in a dream (ECM, 2009).

Em 2005, em Paris, também para o selo CamJazz, os igualmente notáveis Dave Douglas (trompete) e Martial Solal (piano) gravaram em duo o álbum Rue de Seine. Nas notas que escreveu para aquele disco, Nate Chinen sublinhou o modo pelo qual Solal e Douglas conseguiram incorporar, cada um, as sensibilidades do outro.

O mesmo pode ser dito a respeito da performance da dupla Hersch-Alessi em Only many.

Mulgrew Miller

No planeta jazz, há uma categoria que se costuma chamar de “músicos para músicos”. Nela estão instrumentistas de “notável saber” jazzistico e de “reputação ilibada” entre os colegas. Admirados pelos críticos, nunca mereceram, no entanto, o reconhecimento devido por parte dos jazzófilos de um modo geral.

O pianista Mulgrew Miller, que morreu na última quarta-feira (22/5), aos 57 anos, vítima de um ataque cardíaco, foi um dessesmusicians for musicians. Desde quando foi descoberto e contratado pelo baterista Art Blakey para o célebre quinteto The Jazz Messengers, com o qual gravou o álbum Live at Kimball's (Concord, 1985). Naquela época, os Messengers tinham na linha de frente os young lions Terence Blanchard (trompete) e Donald Harrison (sax alto).

Seus últimos registros como líder – depois de um hiato de cinco anos nesta condição – foram feitos pelo selo MaxJazz: The sequel (2002), à frente do seu grupo Wingspan (com Duane Eubanks, trompete; Steve Wilson, saxes; Seteve Nelson, vibrafone) eLive at Yoshi's (2003), em trio com os fieis Derrick Hodge (baixo) e Karriem Riggins (bateria).

Miller dividia – com a categoria, a calma e a serenidade de sempre – seus afazeres como diretor de jazz studies da Universidade William Patterson (New Jersey), como líder de um trio que se apresentava, nos Estados Unidos e mundo afora (clubes e festivais), e como sideman de luxo – inclusive do trio Golden Striker, do grande baixista Ron Carter.

As últimas vezes em que tive a oportunidade de estar com ele e ouvi-lo foram no finado Festival de Ouro Preto (2008), no Village Vanguard de Nova York (2009), e no clube Duc des Lombards, em Paris (2010).