A dona da história

Bianca Byington acumula as funções de atriz, diretora e produtora nas montagens de ‘Um dia como os outros’ e ‘Cozinha e dependências’, de Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri

Por Daniel Schenker

 

Bianca Byington estava acostumada a fazer caras e bocas quando deu partida aos processos de Um dia como os outros e Cozinha e dependências, peças da dupla Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri que tomam conta, a partir de amanhã, do Teatro Poeira, em Botafogo. As novas montagens representaram guinadas na carreira de Bianca. Primeiro, porque a atriz precisou se distanciar da maneira de atuar  de seus últimos espetáculos  – Farsa, coletânea de peças de Miguel de Cervantes, Molière, Anton Tchecov e Martins Pena, Farsa da boa preguiça,  de Ariano Suassuna, e versão de Os saltimbancos,  com músicas de Chico Buarque.

Os obstáculos apareceram logo no início dos ensaios.

– Tive certa dificuldade em aceitar um registro mais contido      – assume. – Mas, aos poucos, juntamente com os outros atores, fomos achando o tom das peças, que nada têm a ver com o da farsa.

Além disso, Bianca Byington acumulou as funções de atriz, diretora (ao lado de Leonardo Netto), produtora (em parceria com a Zucca Produções) e ainda por cima tradutora (de Cozinha e dependências, com Bárbara Duvivier). 

– Acumulei todas essas funções por opção, sabendo que seria uma sobrecarga, mas baseada no instinto de que fazer pela metade daria o mesmo trabalho e mais desgaste – pondera a bela atriz, que foi a primeira Musa do Verão do Jornal do Brasil, em 1981. – Por isso, resolvi dar a cara a tapa de uma vez. E não me arrependo, porque tive comigo uma equipe e um elenco espetaculares, que foram companheiros nessa aventura louca que propus. 

A equipe a que se refere é formada pelos atores Kiko Mascarenhas, Leandro Castilho, Márcio Vito, Analu Prestes e Silvia Buarque, com quem Bianca trabalhou na montagem de 1978 de Os saltimbancos e numa novela, O sexo dos anjos, de Ivani Ribeiro. Fora Analu, todos os atores participam das duas montagens, que serão apresentadas alternadamente durante a semana (Cozinha e dependências,  às quintas, Um dia como os outros, às sextas, ambas às 21h) e em conjunto no fim de semana (mas com os espectadores podendo decidir se assistem ou não às duas em conjunto, apresentadas às 19h30 e 21h). A empreitada conta com patrocínio da Eletrobras.

– Produzir, fazer escolhas, é fundamental para o ator – sublinha. – Nossa profissão tem um lado passivo muito ingrato: o de ter que esperar por um convite de trabalho. Dessa forma, ganhamos autonomia e nos tornamos donos da própria vida.

A paixão de Bianca Byington pela dramaturgia de Jaoui-Bacri começou quando assistiu no cinema ao filme O gosto dos outros (2000). Depois, em Paris, conferiu, em 2002, a montagem de Um ar de família, que rebatizou de Um dia como os outros, e, anos depois, a de Cozinha e dependências.

– Não vi o espetáculo original que Jaoui e Bacri faziam como atores – comenta.

Como os próprios títulos indicam, as peças propiciam radiografias das relações cotidianas. Um dia como os outros se passa no núcleo de uma família tradicional de classe média durante o aniversário da mulher de um dos filhos. Yolanda se reúne para jantar com a família do marido, o executivo Philippe Mesnard. O ponto de encontro é o bar do irmão mais velho, Henrique, cuja esposa, Arlette, está atrasada justo nesta noite. A demora exaspera a mãe dos rapazes e dá início às primeiras discussões da noite: sobre o futuro do bar, herdado do pai, e o da irmã caçula, Betty, solteirona, que namora às escondidas o garçom Denis e trabalha na mesma empresa de Philippe, graças à ajuda do irmão. Alheio aos problemas familiares, Philippe está mais preocupado com sua breve aparição na televisão, naquele dia, e na opinião de seus superiores. 

Cozinha e dependências transforma um jantar de reencontro de velhos amigos em catarse. Os anfitriões Martine e Jacques hospedam o amigo Georges e decidem oferecer um jantar a Charlotte e seu marido, um famoso apresentador de televisão. Fred, irmão de Martine, e sua noiva Marylin também comparecem. A tensão no ambiente começa com o atraso do casal convidado e se estende durante o jantar, o que leva Georges, que não esconde ressentimentos do passado com Charlotte e o marido, a se comportar de forma arredia. O clímax do desconforto ocorre quando Fred propõe ao convidado ilustre uma partida de pôquer a dinheiro, que se prolonga indefinidamente na sala e faz explodir na cozinha as mágoas acumuladas no passado. As duas peças são ambientadas no mesmo espaço cênico.

Para Bianca Byington, cabe tomar algum cuidado com o registro naturalista dos textos de Jaoui-Bacri.

– Existe uma dramaturgia muito precisa, na qual os cacos não são necessários  – destaca. – O ritmo dos diálogos está de acordo com as ações que a peça pede, e o trabalho dos atores e dos diretores, neste caso, é o de dar vida a esses personagens tão bem construídos, obedecendo ao texto da maneira mais fiel possível.

Agnès Jaoui vem ao Brasil em maio, quando se apresenta como cantora em São Paulo, para conferir as  montagens. Jaoui adotou, há  três anos, duas crianças nascidas no país.

– Eu e Silvia Buarque conhecemos Jaoui pessoalmente, por intermédio de Chico Buarque, de quem ela gravou O meu amor, quando veio ao Brasil tratar das adoções – conta Bianca Byington. – Não conheci Bacri, que tem medo de andar de avião.

Teatro Poeira, Rua São João Batista, 104, Botafogo (2537-8053). Cozinha e dependências: 5ª, às 21h, sáb. e dom., às 19h30. Um dia como os outros: 6ª a dom., às 21h. R$ 30 ou R$ 40 (para as duas peças).