Papagaios de repórter
Terror das equipes de TV, eles fazem tudo para aparecer em reportagens
Às 4h da manhã, ele recebe as coordenadas de sua rede de informantes. Da base, em Campo Grande (Zona Oeste), o aposentado Carlos Alberto Régis parte carregando dois telefones celulares e um RioCard. Objetivo da primeira missão do dia: aparecer nas reportagens ao vivo dos telejornais matinais. Essa é a rotina de CaRégis, 66 anos, que se diz orgulhoso por ser um papagaio de pirata, ou melhor, de repórter, que são um estorvo para as equipes de TV.
O pensionista explica como consegue estar presente em diversas transmissões por dia.
– Nossos amigos motoboys, quando veem a câmera sendo montada ou o carro da emissora, já nos dão a posição. Com o RioCard sempre abastecido, vamos aonde a TV está – conta.
O mais famoso dos papagaios, que diz ter “345 mil aparições na televisão”, está em ação desde 1954, quando foi ao velório de Getúlio Vargas. Desde então, sempre com um de seus “mais de 200 ternos”, Jaime Dias Sabino, 82 anos, fez figuração em filmes e já foi entrevistado por Jô Soares e Zé do Caixão. E, por falar em caixão, carregá-los quando está lá dentro alguém famoso é uma das especialidades de Jaiminho. São 144 sepultamentos no currículo, diz.
– No enterro da Daniela Perez fui parar dentro da sepultura. A multidão empurrou e caímos eu e o Marcello Alencar, governador à época – lembra.
A pseudo fama mudou seus hábitos. Funcionário da Prefeitura de Nilópolis (Baixada Fluminense), o papagaio, que mora no Rocha (Zona Norte), diz ser muito assediado.
– Isso que é o bonito. Sou idolatrado por onde passo. As pessoas querem autógrafo, encostar, tirar foto – jura. – No Centro do Rio, tenho de andar acompanhado por seguranças. No Carnaval, sequer posso sair de casa, ou me deixam pelado. Para se ter uma ideia, os próprios entrevistados me ligam para pedir que eu apareça atrás deles. Mesmo sem ser remunerado, tenho contrapartidas. Em todos os lugares as pessoas querem me ajudar, se aproximar. Do traficante ao presidente.
Autointitulado presidente dos papagaios de pirata do Rio de Janeiro, o camelô Luciano Luis Lima de Oliveira, 37, diz ser um defensor de sua classe.
– Trabalho vendendo doces nos ônibus. Mas se vejo uma equipe de TV na rua desço na hora para papagaiar. É uma coisa que amo. Por isso, não posso permitir que um amador chegue e tumultue o trabalho dos câmeras e repórteres. Quando é uma gravação, não podemos aparecer – frisa.
Nil Ramos, nome artístico do corretor de imóveis Severino Soares de Souza, 65 anos, diz que expor-se como papagaio de pirata “é uma forma de manter-se em evidência na mídia”. Segundo ele, essa exposição permitirá levar o CD em que está trabalhando, ao topo das paradas de sucesso.
– Tenho uma veia artística forte, sou ator sindicalizado. Sinto que esse é meu ano, vou estourar como cantor.
Sem poder falar por proibição da Rede Globo, cinegrafistas, assistentes e repórteres amaldiçoam, nos bastidores, a presença dos papagaios de pirata. Um operador de câmera disse ao JB que fica impressionado com a capacidade dos entrões de distinguir os tipos de lente.
– Dependendo equipamento utilizado eles ficam mais distantes ou mais perto. Sacam direitinho o enquadramento que buscamos. Aprenderam por osmose – disse o cinegrafista.
Para a psicóloga Carla Silva Barbosa, a tara por exposição não é uma patologia.
– Existe essa busca por reconhecimento público. Vivemos numa sociedade de espetáculo, como mostram os reality shows.