Beijos roubados nunca mais

Na Cidade do México, já não é proibido beijar na boca

Por Damien Cave, The New York Times

Armando Ruiz e Verónica Villafuerte se abraçavam forte, esticados sobre um banco no meio de uma rua agitada. Ali perto, próximo a um casal que se beijava na grama, um homem brincava com os botões da blusa da namorada. As crianças brincavam. Os carros passavam. Ninguém se importava.

– Agora as coisas estão um pouco mais abertas. Podemos aproveitar a vida mais à vontade – diz Ruiz.

Nenhum dos dois tem aparência sensual. Ruiz usa óculos redondos e tem uma careca brilhante, enquanto o delineador de Verónica é seu único sinal de provocação. Mas ambos concordam que seu relacionamento reflete uma mudança positiva. 

– Em outros tempos, as pessoas apontariam e olhariam este tipo de coisa – afirma Ruiz.

Historicamente, a Cidade do México é conhecida por suas formalidades: as camisas de manga longa, as saias largas. A sexualidade normalmente era censurada por um olhar atravessado, ou, nos casos mais tímidos, um rubor no rosto. Agora, a demonstração pública de afeto cada vez mais se torna um sinal do que os especialistas descrevem como uma cidade que está aprendendo a relaxar.

Autoridades do governo se gabam de ter uma das leis mais liberais da América Latina envolvendo aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ao mesmo tempo, sex shops agora podem ser encontradas até mesmo nos bairros mais chiques. Em março, a capital do México até sediou uma feira de sexo que durou cinco dias e atraiu 12 mil fãs, colocando-a entre as maiores do mundo.

– Felizmente, estamos vendo menos discursos ambíguos e mais aceitação. Há menos vergonha e menos constrangimento – analisa Luis Perelman, presidente da Federação Mexicana para Educação Sexual.

Mas por que mudar agora? Demógrafos veem ligações entre as uniões amorosas e a economia. Vários estudos mostram que, em comparação a uma geração atrás, os mexicanos estão se iniciando sexualmente cada vez mais cedo, uma tendência que geralmente se relaciona com a expansão econômica do México. Sexo e afeto, como argumentam alguns demógrafos mexicanos, tendem a ser sinais de confiança, expressões de fé nas oportunidades amorosas e financeiras que estão por vir.

Salários e cultura também são fatores citados. O crescimento do México produziu uma classe média maior e que, além de abrir o processo político do país, tornou a tecnologia e a mídia internacional mais acessível. Os “amassos”, por exemplo, podem ser vistos facilmente pelas ruas, tanto quanto em lugares mais liberais, como Miami. 

Enquanto isso, a pornografia pode ser consumida livremente em parques com conexão aberta sem fio. Os chamados “hotéis do amor” já não podem mais manter a sexualidade escondida.

– As pessoas vêem tudo na televisão ou na internet, então não sentem como se fossem os únicos a fazê-lo. Por isso não ligam para o que os outros pensam – diz Luis Perelman.

No entanto, outros casais descrevem a demonstração de carinho em público em termos não muito românticos. Para pessoas como Paulina Perez, 26, que estava sentada no colo do namorado durante uma pausa na patinação no sofisticado bairro de Polanco, a demonstração de afeto em lugares públicos reflete não exatamente um aumento na felicidade, mas um déficit de confiança.

– Tradicionalmente, os mexicanos sempre traçam uma linha entre relacionamentos: os formais e os informais. Abraços, beijos e cordialidade colorem este último, enquanto apertos de mãos e um distanciamento educado dominam o primeiro – analisa a jovem.

Para Paulina, embora a violência relacionada ao tráfico de drogas tenha aumentado o medo de contato com pessoas estranhas entre os mexicanos, ela intensificou os laços mais próximos. Assim, o carinho que, para alguns, parece a aceitação da sexualidade, pode, na verdade, ser um reflexo da necessidade de espantar o medo das novas relações.

– O afeto é uma forma de esquecer as limitações. A gente esquece os problemas e vive – diz a moça.

Em um país onde o crescimento econômico positivo é acompanhado por uma grande guerra contra os cartéis de drogas, que já matou mais de 34 mil pessoas desde 2006, isso até que faz sentido.