Marcelo Politano: Bestialização do humano

Por Marcelo Politano

Abdicou de raciocinar: obedecia a comandos vindos do além. Buscava a pureza do corpo e da alma e praguejava contra os “fornicadores”. Matou 12 crianças, feriu outras muitas. Wellington Menezes de Oliveira, 23 anos, autor do  Massacre do Realengo, em 7 de abril de 2011, penalizou a nação e o mundo. E suicidou-se.

Quiçá, mais um legado funesto do fundamentalismo religioso, a religião transformada em jaula. Diriam:  "Não, isso é doença psiquiátrica do tipo loucura!". Não há disso qualquer dúvida. Mas, muito além da doença fisiológico-psíquica, há a doença do intelecto. Hitler com o seu discurso manipulador levou uma nação inteira a perpetrar atos horrendos contra os judeus, os deficientes e os homossexuais. E nem precisou da religião para isto. Aproveitou-se da fraqueza de uma população empobrecida e desesperançada pela grave crise econômica alemã e mobilizou o povo germânico com o discurso da eugenia (aperfeiçoamento da espécie humana pela purificação genética) e da reconstrução do país pela "raça superior" ariana. Seriam loucos todos os milhões de seus asseclas? Ou o ódio os fez equivalentes aos loucos?

Sim, o ódio também mobiliza pessoas de modo assustador. Basta que se sintam acuadas e elas reagirão como feras. Inventa-se um inimigo comum, cooptam-se seguidores bestializados por abdicarem do uso da razão em prol da salvação ou da superação das suas dificuldades maiores, ainda que imaginárias, e faz-se destes caudatários um exército de imbecis prontos para a guerra. Imbecis que, por exemplo, matam e ferem inúmeros seres humanos homossexuais, como têm agido criminosos espalhados por todo o país, embora apenas postos em evidência os  reincidentes crimes da Avenida Paulista.

E por que o fazem? Porque religiões inescrupulosas disseminam o ódio a inimigos inventados, pois, assim, cooptam com mais facilidade gente que esquece de usar a razão. Gente que aquiesceu em ser comandada e não aprendeu a ser livre para pensar. Exatamente como o fez Hitler, mas este não foi o autor do método, que copiou de religiões manipuladoras. O discurso de ódio alardeado nega a ciência sem qualquer cerimônia e pauta-se amiúde em comandos supostamente divinos, extraídos de textos embolorados do fundo do baú da história e interpretados fora de contexto e conforme os interesses de quem os interpreta. Trata-se do mais vil dos argumentos: o argumento de autoridade, que não admite qualquer teste verificativo ou sequer questionamento. Sacrilégio.

Desconsideram a trajetória do homem ao longo dos últimos milênios, que, com muito custo, aprendeu a fazer uso sistematizado da razão, criando a filosofia e as ciências particulares. Nos últimos passos desta árdua trajetória, o homem quadruplicou a sua expectativa de vida, graças à medicina, à farmacologia, à higiene, à assistência social, ao direito e às revoluções agrícola e tecnológica, entre outras manifestações racionais do esforço humano. Também destruiu muito, pelo mesmo caminho. Entretanto, admite as falhas e envida profícuos esforços para corrigir-se. Enfim, conquistas do uso sistematizado da razão.

Mas manipuladores de mentes, como Sua Excelência o deputado Jair Bolsonaro e Sua Excelência o deputado pastor Silas Malafaia e outros tantos em cada esquina, insistem em fazer tábula rasa das ciências para, contra todas as indicações destas, disseminarem o ódio a inimigos inventados e, assim, arrebanhar seus seguidores. "Rebanho" é mesmo uma excelente palavra para quem abdica de usar a razão e entrega a sua mente a um manipulador de pessoas.

Por fim, cumpre-nos expungir uma injustiça ora feita. Pobres das bestas, não merecem semelhante comparação, pois não são capazes da maldade. Há, então, que se distinguirem as bestas bichos e as bestas humanas. As últimas usam seus resquícios de faculdades mentais para destilar o mal e o ódio, por dirigida desabituação em fazer melhor uso do cérebro.