Quilombolas, indígenas e meio ambiente no foco do retrocesso
Desestruturação do setor ambiental e enfraquecimento de órgãos de fiscalização apontam para retrocesso em apenas quinze dias de governo Bolsonaro.
No momento escrever sobre meio ambiente no país é traçar um relatório de perdas em velocidade acelerada. Em apenas quinze dias o retrocesso é assustador e aponta para um futuro sombrio. De forma menos espalhafatosa do que a prometida, está em processo a desestruturação do setor. Mesmo sem a simbólica extinção do Ministério do Meio Ambiente (MMA) ou sua incorporação ao da agricultura, as alterações estruturais, com transferências de órgãos, responsabilidades e subordinações; terá igual efeito. Mas não há surpresas e sim cumprimento de promessas de campanha.
Vou listar aqui algumas mudanças relacionadas pelo advogado socio ambientalista André Lima em artigo publicado no Congresso em Foco na semana passada, para quem “em menos de 15 dias o presidente Bolsonaro já conseguiu fazer “reformas” que nem mesmo FHC, Lula I e II, Dilma e meia, e meio Temer nos momentos mais ruralistas de seus governos ousaram tentar.” São elas:
1 – Retirada de competências da Funai, Fundação Palmares e Incra para demarcação de terra indígena e quilombola e transferência da competência para o Ministério da Agricultura;
2 – Extinção, no MMA, do departamento historicamente responsável pela condução das políticas de prevenção e controle dos desmatamentos na Amazônia e demais biomas;
3 – Extinção da secretaria responsável no MMA pela coordenação das políticas de clima no Brasil, que coordenava ações junto aos demais ministérios e órgãos internos para alcançar os compromissos nacionais de redução de emissões de CO2 até 2030;
4 – Extinção da secretaria do Itamaraty responsável pelas negociações relativas aos compromissos climáticos internacionais. Neste caso a competência migrou para a Secretaria de Assuntos Econômicos Internacionais.
André Lima aponta ainda “o compromisso anunciado (ainda não realizado) de mudança no sistema nacional de licenciamento ambiental (no âmbito do Sisnama – Sistema Nacional de Meio Ambiente) com a pulverização das atribuições dos órgãos ambientais (Ibama e ICMBio) para órgãos com interesse direto e competência específica nos temas de mineração, agropecuária, indústria, dentre outros.”
Outro indicador de intenções é a criação de uma subsecretaria de apoio ao licenciamento ambiental no âmbito da Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimento da Secretaria de Governo. Lima aponta “a total subordinação da agenda socioambiental à agenda econômica.”
Grave também foi a decisão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles* de suspender todos os convênios e parcerias com as organizações não governamentais (ONGs) por 90 dias. Além determinar, para prévia análise, que todos os convênios, acordos de cooperação, atos e projetos do Ibama, do Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro que vierem a ser feitos com ONGs passem por seu gabinete.
A indefinição dos efeitos práticos, que podem afetar projetos relevantes em andamento preocupa o setor. A proteção da Amazônia está em risco com o crescente desmatamento e pode acelerar a deterioração. Também vários projetos que são desenvolvidos com as populações locais, por meio das Ongs estão ameaçados. Nesse rol entram ações de recuperação florestal, agricultura familiar, agro extrativismo, por exemplo.
Mas também não chega a ser surpreendente, pois o presidente Bolsonaro ataca as Ongs desde sempre. No entanto, as questões são mais complexas do que canetadas mal dadas. Há projetos que para além das ONGs envolvem outros órgãos públicos, empresas, entidades nacionais e estrangeiras. Como ficarão?
Cabe lembrar que as ONGs em um texto conjunto assinado pelo Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Instituto Ethos, Plataforma MROSC e Observatório do Clima, apontam que a medida "fere o princípio da legalidade e levanta, sem elementos mínimos de prova, dúvidas sobre a idoneidade da sociedade civil". É isso, uma decisão genérica e que bota em risco ações ambientais que podem sofrer danos irreversíveis.
A situação da população indígena também dá sinais de agravamento, com recrudescimento das invasões de áreas protegidas. A constante sinalização de Bolsonaro contra as reservas indígenas fomenta grileiros, madeireiros, garimpeiros, pecuaristas, mineradoras etc. a atuarem.
A escolha de Franklimberg Ribeiro de Freitas para presidência da Funai é uma péssima sinalização. Sua vinculação com a mineradora canadense Belo Sun, da qual foi presidente do conselho consultivo para assuntos indígenas, já deveria ser o suficiente para impedir sua escolha pro cargo. A empresa busca autorização para exploração de ouro em terras indígenas no Pará.
Além do presidente errado, a Funai foi retirada do Ministério da Justiça e levada para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, cuja ONG à qual é vinculada (Atini) tem uma atribulada relação com a população indígena.
Da mesma forma as populações negras quilombolas estão sob ataque e risco. Bolsonaro também direcionou sua verborragia incitadora do ódio e da violência contra as comunidades. Na campanha eleitoral disse: “Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais”, e afirmou que não haveria “um centímetro demarcado” para indígenas e quilombolas.
Pois o processo de reconhecimento de territórios pelo Incra, que já era lento, deve parar de vez agora que está nas mãos da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários (Seaf) vinculada ao Ministério da Agricultura e dirigida pelo presidente licenciado da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antônio Nabhan Garcia. Os quilombolas seguirão discriminados e vulneráveis à exclusão e violência.
A transferência da Fundação Cultural Palmares (FCP) para o Ministério da Cidadania, saindo da Cultura, também afeta as comunidades quilombolas, pois a certificação para reconhecimento dos quilombos é feita pela Fundação.
Em carta aberta distribuída logo no dia 08 de janeiro a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas exige respeito à “nossa história, nossa ancestralidade e nossos territórios, por nenhum quilombo a menos, nenhum passo atrás.” A entidade lembra que hoje são mais de seis mil quilombos no Brasil dos quais mais da metade reconhecidos (certificados ou titulados) pelo governo. Estima em 16 milhões de quilombolas espalhados por 24 estados.
Aparentemente desconexas, as mudanças têm objetivo claro de desmonte das conquistas alcançadas nos últimos anos. Não são aleatórias. Além das já citadas, outros órgãos importantes para o povo negro foram afetados e incorporados pela ministra pastora que viu jesus na goiabeira. Estão com Damares a Secretaria de Promoção de Políticas da Igualdade Racial (Seppir), o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial e o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais. Sem dúvidas é hora de ficar atento e mobilizado.
* Ricardo Salles foi condenado em dezembro passado pelo juiz Fausto José Martins Seabra, da 3ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo, por improbidade em ação do Ministério Público do Estado de São Paulo. O juiz acatou a denúncia de que 2016 Salles modificou mapas de zoneamento da Área de Proteção Ambiental Várzea do Tietê com objetivo de beneficiar em especial empresas de mineração. Ele teria ainda perseguido funcionários da Fundação Florestal contrários às alterações na minuta do decreto do plano de manejo da unidade de conservação.