Bloqueio de verbas para mudanças climáticas exige resposta à britânica

Por Ivan Accioly

O governo federal segue empenhado em desestruturar a área ambiental do país, independentemente das consequências de suas decisões. O recente anúncio de bloqueio de 95% do orçamento para políticas sobre mudanças climáticas é parte dessa agenda afundada no obscurantismo. Mas não é surpresa, frente às declarações anteriores do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de que a questão do aquecimento global é secundária. Ou do nefasto ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que considera o tema uma “trama marxista”.

Enquanto o mundo inclui o aquecimento global na pauta prioritária, o Brasil do astrólogo Olavo de Carvalho e da famiglia que ama o Trump regride. Os R$11,8milhões destinados à questão do aquecimento global já eram pouco, com R$590mil nada poderá ser feito. Mesmo que formalmente o governo não cumpra a promessa de campanha de retirar o país do Acordo de Paris, como feito pelos EUA, será como ter acabado com a possibilidade de atuar.

Há duas semanas estive no Fórum Clima 2019, no Rio. Onze secretários de Estado da área ambiental mais o do DF participaram de uma das mesas de debates e seis governadores enviaram vídeos nos quais se comprometeram com a manutenção da agenda do Acordo de Paris. Foram o João Dória (SP), Romeu Zuma (MG), Helder Barbalho (PA), Renato Casagrande (ES), Eduardo Leite (RS) e Paulo Câmara (PE).

Do encontro saiu a decisão de criar uma chamada “articulação subnacional”, cujo objetivo é manter os compromissos com a agenda ambiental, incluindo redução das emissões, proteção de florestas e combate aos lixões, por exemplo. Espero que não sejam os chamados compromissos para inglês ver e que os estados adotem medidas efetivas.

Até porque os ingleses acabam de dar um exemplo de como lidar com a questão. Em manifestações que tomaram as ruas de suas principais cidades e mesmo com a repressão que levou a mais de mil prisões, conseguiram aprovação pelo parlamento de uma moção que declara a “emergência climática” no país.

Embora simbólica e sem efeito de lei, ela indica medidas que o governo britânico tem que tomar para acelerar a redução das emissões de dióxido de carbono, que devem chegar a zero em 2050. Já em 2030, por exemplo, precisa ter diminuído 45% em comparação a 2010.

O movimento contra as mudanças climáticas é uma onda que ainda não chegou por aqui, mas que tem tomado as ruas de diversas partes do mundo no rastro das “Friday for future” iniciadas em agosto passado pela estudante sueca Greta Thunberg, de 16 anos. A cada sexta-feira os estudantes faltam as aulas e protestam por políticas contra o aquecimento global. Tomara que inspire os estudantes brasileiros e, junto com as pautas de defesa do ensino- tão necessárias nesse momento de ataque sem trégua à educação-, ganhe adeptos.

Leio no Estadão que o projeto ProAdapta, um acordo de cooperação entre o MMA e o governo da Alemanha, já sofre com os cortes na área do clima. Dedicado à recuperação de áreas de encostas afetadas por chuvas ou aumento do nível do mar em Salvador (BA) recebeu 5 milhões de euros, mas não contou com os 2 milhões de euros da contrapartida brasileira. As ações do lado brasileiro pararam.

Outro projeto que estaria em suspenso, depois de seis meses de execução, é uma parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para diagnosticar em todo o país desastres associados a mudanças climáticas.

Esses cortes atingem ainda outros órgãos, como o Ibama, em 24% dos R$ 368,3 milhões (restaram R$ 279,4 milhões), além do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e programas diretos do MMA, que, no geral, teve extirpado pela faca de Paulo Guedes e companhia o total de R$ 187,4 milhões. A Política Nacional de Resíduos sólidos perdeu 78,4% de sua verba. Dos R$ 8,1 milhões originais, ficou com R1,7milhões. A prevenção e controle de incêndios florestais perdeu 38,4%, equivalente a R$ 17,5 milhões e o licenciamento ambiental 42% da verba de R$ 7,8 milhões.

É um conjunto que revela o tratamento da questão por parte deste governo. Posições como as de Ricardo Salles, que atua como um “anti ministro” do MMA, uma raposa feroz e esfomeada num galinheiro; e do Ernesto Araújo, cuja presença desprestigia o Itamaraty; deixam o Brasil frágil no mundo. E, além das consequências internas imediatas, a conta será cobrada no exterior. Os fóruns internacionais e o comércio (talvez a única linguagem que entendam) darão o retorno. E não será positivo.

Nos EUA um estudo encomendado pelo Congresso ao National Climate Assessment prevê que sem ações contra o aquecimento global, o país perderá 10% de sua atividade econômica até 2100. Aí incluídas quedas na produção agrícola, destruição de infraestrutura e perda de vidas, por exemplo, com os incêndios florestais. Por lá até o Trump recuou nas suas sandices e já admitiu que vivemos mudanças climáticas. Mas, claro, já que dele também nada podemos esperar, tentou livrar a cara da humanidade. Disse não ter certeza de que somos nós que provocamos as alterações.

Os negacionistas quanto às mudanças climáticas estão em minoria no mundo, mesmo com a agenda direitista que tem prevalecido. Nosso país com essa postura será prejudicado. A credibilidade conquistada nos últimos anos será perdida. Parece faltar no Planalto condição para entendimento político e inteligência estratégica. O Brasil é um dos mais importantes países do mundo neste campo, mas preferem abrir mão dessa aposta no futuro. Se limitam a atender setores ruralistas retrógrados que buscam o retorno rápido em benefícios que serão efêmeros e com os quais compartilham a visão a obtusa do mundo.

É hora de seguir o exemplo britânico!