Qual o preço de uma pedrada?
Enquanto tem muito cristão preocupado com o caso ocorrido na parada gay de São Paulo, julgando se ofende ou não a cruz, ou ainda que fere o cristianismo, ou ainda que Jesus está ofendido ou não, tem crianças nas ruas tomando pedrada na cabeça só pelo fato de escolher como sua religião as matrizes africanas do candomblé.
Que tal se falássemos de prioridade? Sim, prioridades pelo respeito e pela dignidade da pessoa humana, independentemente de sua crença, cor, raça, time de futebol e da orientação sexual que escolheu para si. O estudante de teologia da PUC-Rio e de religião cristã protestante, Ronilson Pacheco, sintetizou muito do que penso em suas redes sociais nessa semana. Assim descreveu: “Não me levem a mal, mas essa história de que a agressão sofrida pela menina CANDOMBLECISTA de 11 anos foi um caso isolado e que não devemos generalizar se referindo a todos os evangélicos, é o mesmo que agredi-la pela segunda vez, agora, dizendo que “nós não temos nada com isso”. Mas nós temos. Se sou evangélico, sou responsável. Se você é evangélico, você é responsável. Quem atirou aquela pedra fomos nós. Quem atirou aquela pedra foi cada uma das nossas igrejas que faz uma semana de sermões sobre a igreja perseguida, como se apenas cristãos fossem perseguidos no mundo, mas se cala diante da demonização das religiões de matriz africana, do nosso lado, na nossa vizinhança.”
Para mim e para ele quem atirou aquela pedra foi cada líder, cada padre, cada pastor, cada bispo, que vai fazer de conta que isso não aconteceu, e no próximo domingo vai pregar sobre qualquer coisa, menos exortar os seus fiéis sobre o pecado do preconceito e da intolerância. Nossa cultura cristã ocidental e contemporânea é arrogante e presunçosa, à revelia das boas convivências, familiares e afetivas, que às vezes resistem as diferenças religiosas e se resumem ao fundamentalismo.
Nas missas, homilias, pregações das celebrações, passando pelos nossos seminários e missões, em tudo que temos feito permanecem a constante desqualificação da religião do outro em defesa de um perfeccionismo da minha religião. Nós apedrejamos uma menina de 11 anos. Isso não é um fato isolado não. Isso é prática recorrente. Então, se nós não queremos apedrejá-la novamente, nós temos que reconhecer que nossa índole de tolerância é na verdade intolerante, excludente, competitiva, maldosa. Esse nosso evangelho tem negado o Evangelho.
Peço perdão por todos os cristãos que dia após dia faz questão de negar o amor de Deus por toda a humanidade. Minha irmã Kailane, o Deus que eu acredito é amor, e só sabe retribuir amor. Desculpas pela injustiça, falta de respeito, violência e toda falta de compaixão que levaram uma atitude tão grotesca e desumana, que te feriram com uma pedrada, que feriram toda sua ancestralidade e sua religião.
Sabemos bem que os praticantes das religiões de matrizes africanas, como os umbandistas e candomblecistas, são dos grupos mais desrespeitados no país quando o assunto é direito à crença. Ao povo de santo presto toda minha solidariedade e me uno na luta por respeito, laicismo de Estado e liberdade de crença e culto.
Deixo o belo poema inspirado na obra de Carlos Drummond de Andrade, compartilhado pela minha companheira de luta, prima, tia e mãe Glória de Fátima da Silva como reflexão e incentivo para erguermos a cabeça e não termos medos de encarar as pedras que surgem no meio do caminho.
"No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma intolerância no meio do caminho
Tinha um Ori no caminho da pedra
O Ori tinha Axé, e no Axé bateu a intolerância.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
O Ori de Axé respondeu,
O Ori tinha dono
Foi em Logun que a pedra bateu
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
Logun fechou os meus olhos
"Dono do seu caminho sou eu."
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Uma pedra em minha ancestralidade bateu
E na mira do apedrejador
estava aquilo que ele jamais verá
o Amor maior que eu".
Thais de Oyá
* Walmyr Júnior é professor. Representante do Coletivo Enegrecer como Conselheiro Nacional de Juventude - CONJUVE. Integra Pastoral da Juventude e a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ.