Itália aprova lei feita sob medida para barrar cidadania de Bolsonaro

Pela nova lei, a Itália vai examinar se uma pessoa cometeu conspiração política ou qualquer atentado contra a democracia antes de conceder o benefício

Por GABRIEL MANSUR

Ex-presidente Jair Bolsonaro

A Câmara dos Deputados da Itália aprovou, na última quinta-feira (26), em primeiro turno, um projeto de lei que parece ter sido feito sob medida para impedir que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) receba a cidadania italiana - ele deu início a processo legal no Tribunal de Veneza, em setembro, com o objetivo de solicitar o reconhecimento de sua dupla nacionalidade.

Pela nova lei, a Itália vai examinar se uma pessoa cometeu conspiração política ou qualquer atentado contra a democracia antes de conceder o benefício. No texto apresentado, está incluída a emenda introduzindo conspiração política e contra o Estado entre os crimes tipificados para a eventual rejeição do pedido.

A proposta não só parece "encomendada" para impedir Bolsonaro de se tornar cidadão italiano, como o próprio autor da lei, o deputado Angelo Bonelli, deputado do partido Verdi e Esquerda, afirma sem tirar nem por que se inspirou na situação do ex-chefe de Estado brasileiro.

"A aprovação da emenda é importante porque empenha o governo a modificar a lei que introduz o veto para a aquisição da cidadania diante a esses crimes. Quando estava pensando no texto da emenda, o caso Bolsonaro me veio à mente imediatamente. A Itália não pode permitir que pessoas que tenham conspirado contra o Estado possam ter a cidadania reconhecida. Isso não faz bem para nossa Democracia", disse.

A legislação é tão sob medida que, segundo o deputado Bonelli e parlamentares que votaram a favor dela, o objetivo é nomeá-la de "Lei Bolsonaro".

"Se o governo der a cidadania aos filhos de Bolsonaro ou mesmo ao ex-presidente, será um fato de gravidade sem precedentes para a democracia", concluiu o deputado.

Para que entre em vigor, a proposta ainda precisa passar por um segundo voto no Parlamento Italiano. Mas o amplo apoio que recebeu, com 191 votos a favor e apenas seis contrários, sinaliza que dificilmente será derrubada. A emenda faz parte do projeto de lei de combate a violência contra a mulher e estabelece as tipologias de crimes para o rejeito da cidadania italiana.

Entenda

Na Itália, o acesso à cidadania é garantido por direito sanguíneo. E essa herança Bolsonaro tem de sobra. Do lado paterno, seu bisavô, Vittorio Bolzonaro, nasceu em Anguillara Veneta, em 12 de abril de 1878, e sua bisavó, Filomena Lodia D’Agostini, nasceu em Masi, na província de Padova.

Do lado materno, Bolsonaro possui uma ascendência 100% italiana, uma vez que seus avós, Guido Bonturi e Argentina Pardini, nasceram na cidade toscana de Lucca, em 1893 e 1892, respectivamente. Por conta da ascendência italiana, ele já declarou algumas vezes que, pela legislação italiana, ele seria italiano por ter direito à cidadania.

Justamente por isso que o texto pede a mudança da lei da cidadania. Bonelli, aliás, defende que a rejeição seja estendida também para os filhos do ex-presidente, Flávio e Eduardo Bolsonaro, que solicitaram a cidadania em 2019.

Segundo o texto apresentado pelo deputado, "o governo italiano se compromete a avaliar a conveniência de rejeitar o pedido de cidadania italiana, mediante a introdução de alterações legislativas à lei número 91 de 5 de fevereiro de 1992, para aqueles que foram condenados, inclusive no exterior, por crimes de violência doméstica, violência contra a mulher, crimes de terrorismo, crimes de violência sexual e pedofilia, crimes de crime organizado, crimes de tráfico de drogas e conspiração politica e contra o Estado".

Bonelli está há tempos na linha de frente para impedir que Bolsonaro tenha acesso à cidadania italiana para que possa assim evitar a Justiça no Brasil. A sua batalha começou quando, em outubro de 2021 a prefeitura de Anguillara Veneta, cidade de origem de seus antepassados, concedeu a cidadania honorária ao ex-presidente.

O italiano fez várias interrogações parlamentares sobre a questão e na última, feita no final de 2022, obrigou o ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani, a declarar que Jair Bolsonaro não havia entrado com o pedido, mas somente seus filhos.

O parlamentar sabe que o acesso à cidadania é garantido por direito sanguíneo, mas continua a acreditar que "se o governo der a cidadania aos filhos de Bolsonaro ou mesmo ao ex-presidente, será um fato de gravidade sem precedentes para a democracia".