Brasileira é condenada a prisão na Suíça acusada de sequestrar filha

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Por Adriana Negreiros

Neide da Silva Heiniger e a filha

Uma brasileira de 49 anos que se mudou para a Suíça para ficar perto da filha adolescente - repatriada pela Convenção de Haia - foi condenada pela Justiça do país a 34 meses de prisão em regime fechado por sequestro qualificado e privação de liberdade.

A sentença é do dia 12 de setembro. Neide da Silva Heiniger, a brasileira em questão, está fazendo uma vaquinha online para pagar a assistência jurídica e recorrer da decisão.

A Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, conhecida como Convenção de Haia, determina que os Estados garantam o retorno imediato de crianças retiradas ilegalmente (sem autorização de um dos genitores) dos países onde moravam.

O Brasil é signatário do acordo desde 1999
A filha de Neide nasceu na Suíça e, quando tinha 7 anos, viajou com a mãe para São Luís (MA). Separada do pai da criança, um suíço a quem acusa de violência doméstica e sexual, Neide não retornou para o país.

O pai - que nega as acusações - acionou a Convenção de Haia e, em 2022, a criança foi repatriada quando tinha 12 anos. Neide afirma que a filha se recusava a se separar dela e, para conseguir embarcar,
precisou ser dopada.

Na sequência, Neide se mudou para a Suíça, apesar do risco de ser presa. Ela vive desde então em um estúdio sem aquecimento na cidade de Interlaken, onde a temperatura fica abaixo de zero no
inverno.

Durante um ano, teve autorização para fazer visitas à filha monitoradas por uma assistente social, a cada 15 dias, por duas horas. Há 11 meses as visitas foram suspensas, após vitória do pai na justiça.

A mulher não domina o idioma local, alemão, e vive com a ajuda de custo do governo suíço, de 900 francos mensais (cerca de R$ 5.800). Uma organização que apoia mulheres brasileiras no exterior, o Gambe, enviou ofício para o Ministério das Mulheres e para o Ministério das Relações Exteriores pedindo apoio para Neide Heiniger.

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Desafio de lógica: a condenação de Neide da Silva Heiniger

Por Stella Furquim

Condenar uma mãe à prisão acusada de sequestrar sua própria filha é um ato que desafia não apenas a lógica jurídica, mas também a sensibilidade humana. Em situações como essa, a complexidade emocional e psicológica envolvida precisa ser tratada com empatia e discernimento, considerando que o vínculo entre mãe e filho é um dos mais profundos e naturais da experiência humana. Além disso, faz parte dos direitos humanos fundamentais das crianças em seu artigo 9 estabelece que as crianças têm o direito de não serem separadas de seus pais contra a vontade deles, exceto quando for necessário para o bem-estar da criança, como em casos de abuso ou negligência.

Quando uma mãe é acusada de sequestrar seu próprio filho, muitas vezes o contexto envolve questões de guarda, proteção e medo. Não é raro que mães, temendo pela segurança de seus filhos ou acreditando que o sistema jurídico falhou em protegê-los, tomem medidas desesperadas para assegurar o bem-estar das crianças. Nessas circunstâncias, a aplicação fria e mecânica da lei pode se tornar desumana, ignorando as motivações legítimas de proteção e amor materno.

A desumanidade reside na incapacidade de considerar o sofrimento e a angústia que levam uma mãe a tomar essa decisão extrema. Ao condená-la à prisão, o sistema não apenas pune a mãe, mas também a criança, que é separada da figura materna em um momento já marcado por instabilidade e trauma. A pena imposta acaba se tornando dupla: para a mãe, a perda da liberdade; para a criança, a perda do contato com quem ela mais confia e depende emocionalmente.

Além disso, essa situação revela uma falha na forma como a sociedade e o sistema legal lidam com disputas familiares. Em vez de buscar soluções que priorizem o bem-estar da criança e a mediação do conflito, muitas vezes a resposta é criminalizar e punir, agravando ainda mais uma situação já delicada. Em vez de reconciliação e apoio, o que se vê é o uso da força punitiva, que dificilmente trará benefícios a longo prazo para qualquer uma das partes envolvidas.

Neide e sua filha Moara encontraram a paz e a liberdade quando foram passar férias no Brasil. Vislumbraram a possibilidade de viverem em ambiente sem violência de vários tipos. A menina, que na época tinha 8 anos, não queria retornar à Suíça nem ao convívio do genitor. Por desconhecimento da Convenção da Haia de 1980, a mãe acatou a vontade da filha. Mal sabia o que viria pela frente.

Após quatro anos no Brasil, a justiça brasileira decidiu pela repatriação da menina de 12 anos, contrariando a própria convenção que prevê em suas poucas exceções, o Artigo 13.º:
A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o regresso da
criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já uma idade e um grau
de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto.

Moara precisou ser dopada para poder ser colocada no avião para retornar à Suíça. A própria jovem relata: “me deram remédio para dormir e quando me dei conta já estava em Portugal”.

Há 2 anos Moara vive em situação análoga à cárcere, não tem liberdade para manter contato com os amigos e familiares do Brasil nem mesmo com a mãe e o padrasto. Também não pode chorar de saudades da mãe ou do passarinho de estimação, o Farofa, que ficou no Brasil.

Na ocasião do retorno à Suíça, Neide também recebeu uma lista de exigências e condições para que pudesse manter contato com a filha via vídeo chamadas. Frases como “o amor vai vencer” ou mesmo chorar durante as ligações era motivo para desconectar a chamada, segundo a carta enviada a Neide assinada pela advogada do genitor na Suíça.

A organização GAMBE - grupo de apoio a mulheres brasileiras no exterior imediatamente acionou o serviço social e o conselho tutelar local pois em seus desenhos e cartas ou mesmo mensagens que Moara conseguia mandar escondida para a mãe ou amigos do Brasil, continham com frequência mensagens preocupantes e ideação suicida.

Moara implorou muito por socorro e para ser removida da casa do genitor e da madrasta. Jamais foi acatada.

Foram implementadas visitas monitoradas que ocorreram num clima de muita emoção e o monitor encarregado sugeriu progressão para visitas com pernoite.

Passar os finais de semana na companhia da filha, se tornaram momentos de felicidade para aquela pequena família. Porém, após uma denuncia sem nenhuma prova do genitor ao tribunal, dizendo que Neide planejava sequestrar Moara, foi razão suficiente para que todo contato fosse imediatamente suspenso. Em desespero, Moara chegou a fugir da casa em que mora com o genitor, mas foi resgatada pela polícia.

Agora, neste mês de setembro, a mãe foi condenada a 34 meses de prisão em regime fechado, bem como, pagamento de indenização ao genitor. Só para colocar tudo em perspectiva, Cuca, jogador de futebol brasileiro que em 1989 estuprou uma menina menor de idade na Suíça foi condenado a 15 meses de prisão e pagamento de indenização, o que não ocorreu porque já estava de volta ao Brasil na época de sua condenação. Em janeiro deste ano, o caso foi reaberto e anulado. Cuca recebeu uma indenização não porque foi declarado inocente mas porque o crime havia prescrito.

A audiência para definição de guarda de Moara foi fixada finalmente para dia 10 de dezembro de 2024. Obviamente, pessoas presas não exercem guarda compartilhada.

Faltou um olhar mais humano e compassivo ao tratar deste caso, promovendo uma justiça que seja, acima de tudo, restaurativa e que busque proteger a criança, respeitando as circunstâncias e o sofrimento dos envolvidos. Somente assim poderemos evitar a desumanidade de condenar uma mãe que, no fundo, agiu movida pelo amor e pelo instinto de proteger sua filha.

Os direitos humanos fundamentais relacionados ao relacionamento e acesso de mães e filhos são essenciais para a preservação do bem-estar emocional e psicológico das crianças e dos pais. Esses direitos estão ancorados em princípios universais de dignidade humana, proteção da família e o melhor interesse da criança, e são reconhecidos por tratados internacionais e legislações nacionais.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) traz o artigo 16(3) reconhece que a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.

A Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) no artigo 9 estabelece que as crianças têm o direito de não serem separadas de seus pais contra a vontade deles, exceto quando for necessário para o bem-estar da criança, como em casos de abuso ou negligência.

A proteção do núcleo familiar, incluindo o relacionamento entre mães e filhos, é considerada um direito humano fundamental. Isso implica que o Estado deve criar políticas e mecanismos que evitem a separação desnecessária e apoiar as famílias em situações de vulnerabilidade.

As mães têm o direito de participar ativamente na educação e no desenvolvimento de seus filhos, conforme estipulado pelo artigo 18 da Convenção sobre os Direitos da Criança, que incentiva o envolvimento e apoio mútuo dos pais no cuidado da criança.

O princípio do melhor interesse da criança deve ser a consideração primordial em todas as decisões que envolvem a guarda, a proteção e o cuidado da criança. Isso inclui garantir que a criança tenha acesso aos pais, a menos que isso seja contrário ao seu bem-estar.

Em casos onde as crianças não vivem com ambos os pais, elas têm o direito de manter contato e visitas regulares, a menos que isso seja prejudicial para o seu bem-estar. Este direito está vinculado ao conceito de “direito de visita” estabelecido na Convenção sobre os Direitos da Criança.

A separação de mães e filhos não deve ocorrer de maneira arbitrária. Casos de separação forçada, sem uma justificativa legítima e proporcional, violam os direitos humanos fundamentais e são considerados um ato de desumanidade.

Esses direitos visam proteger não apenas o vínculo familiar, mas também o desenvolvimento saudável e o bem-estar emocional e psicológico de crianças e mães. A violação desses direitos pode ter consequências graves e duradouras para ambas as partes, exigindo, portanto, um cuidado especial e a proteção adequada por parte do Estado e da sociedade.

Brasil e Suíça precisam urgentemente trazer para a prática o discurso teórico. Imediatamente!

Stella Furquim. General Director and Co-founder.
www.gambe.orgy