Descumprimento de prazos no Congresso pode derrubar emenda

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No mês passado, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, enviou ao ministro Ayres Britto o parecer necessário para que as ações de inconstitucionalidade da OAB, da CNI e das associações de juízes sejam julgadas em conjunto pelo pleno do STF. -->De acordo com o parecer, a polêmica emenda é formalmente inconstitucional, por não ter seguido o rito estabelecido na Constituição, segundo o qual proposta de emenda à Carta “será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros”. -->Gurgel argumenta que o Regimento Interno do Senado determina um intervalo de cinco dias entre os dois turnos de votação, a fim de impedir “verdadeira fraude à Constituição”, mas que esse prazo não foi obedecido. Caso a questão seja superada, Roberto Gurgel sustenta que o artigo 97, incluído pela EC 62 no Ato das Disposições Transitórias (ADCT), é mesmo inconstitucional, por estabelecer um regime especial e transitório de pagamento de precatórios, sob duas modalidades diferentes: o parcelamento em até 15 anos da dívida ou o depósito mensal de um percentual calculado sobre as receitas correntes líquidas dos estados, Distrito Federal e municípios. -->O procurador-geral ressalta que “o quadro de inadimplência por parte das Fazendas Públicas estaduais, municipais e distritais, somado à falta de utilização dos mecanismos constitucionais previstos para forçá-las ao pagamento, já é, em si, dado suficientemente comprometedor do Estado de Direito”. E conclui: “Este quadro mais se agrava com a solução apresentada pelo artigo 97 do ADCT: os precatórios, com pagamentos já alongados no tempo em oito anos e, depois, mais dez, têm agora o prazo elastecido por mais 15 anos ou para quando o permitirem as receitas correntes líquidas dos estados, municípios e Distrito Federal. Ao fim e a cabo, dívidas cujo pagamento se estende para a eternidade”. Cláusula pétrea As entidades que esperam a derrubada pelo STF da EC 62 consideram, em síntese, que o Congresso – como constituinte derivado – desobedeceu os “limites materiais do Estado Democrático de Direito”, por “atentar” contra a dignidade da pessoa, a separação dos poderes, os princípios da segurança jurídica, o direito de propriedade e o “ato jurídico perfeito”. -->Todos esses princípios – ainda de acordo com as ações – são “cláusulas pétreas” da Carta de 1988, e não podem ser objeto de emendas constitucionais (artigo 60, parágrafo 4º). -->No julgamento de quinta-feira última, ao suspender a EC 32, de 10 anos atrás, a maioria do Supremo pronunciou-se nesta linha. No seu voto–desempate, o decano da Corte, Celso de Mello, sublinhou que a protelação do pagamento de precatórios corresponde ao descumprimento de sentenças judiciais transitadas em julgado, o que configura “um atentado contra a independência do Judiciário”. E arrematou: “A coisa julgada material é manifestação do estado democrático de direito, fundamento da República brasileira”.