Situação na Venezuela 'ameaça a harmonia' da América do Sul, diz Temer
O presidente Michel Temer determinou nesta terça-feira (28) a mobilização do Exército para proteger a fronteira com a Venezuela e anunciou a intenção de buscar apoio internacional para enfrentar a crise naquele país, que "ameaça a harmonia" da América do Sul.
"Vamos buscar apoio na comunidade internacional para a adoção de medidas diplomáticas firmes que solucionem esse problema, que não é mais de política interna de um país, mas avançou pela fronteira de vários países e ameaça a harmonia de todo o nosso continente", disse Temer em declaração no Palácio do Planalto, transmitida pela TV.
A Venezuela enfrenta "uma trágica situação que hoje afeta toda a América do Sul", advertiu Temer, em alusão ao 2,3 milhões de venezuelanos que fogem de seu país, segundo a Organização Internacional para Migrações (OIM), inclusive as dezenas de milhares que chegam ao Brasil pela fronteira com Roraima.
"Não é só o Brasil que sofre suas consequências, mas o Peru, o Equador, a Colômbia, vários países da América Latina", acrescentou, ao anunciar o decreto de mobilização das Forças Armadas a essa região.
A decisão ocorre poucas horas depois de o secretário-geral da OEA, Luis Almagro, defender em Santo Domingo a aplicação de sanções contra a "ditadura" do presidente Nicolás Maduro.
O governo de Michel Temer adotou uma posição rigorosa ante o do socialista 'bolivariano".
"O Brasil respeita a soberania dos Estados nas ações, mas temos que lembrar que só é soberano um país que respeita e cuida de seu povo", proclamou.
O Equador convocou uma reunião dedicada à crise migratória venezuelana, em 3 e 4 de setembro. O encontro devia se realizar em 17 e 18, mas foi antecipada por causa da urgência da situação, explicou na terça-feira o chanceler equatoriano, José Valencia.
O decreto presidencial autoriza "o uso das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem no período de 29 de agosto a 12 de setembro de 2018", nas regiões norte e leste, assim como nas rodovias federais do estado de Roraima".
O envio de tropas ocorre menos de duas semanas depois de uma explosão de violência de moradores de Pacaraima, uma cidade fronteiriça, contra refugiados venezuelanos. Os ataques se originaram depois de correr a notícia de que um comerciante teria sido ferido durante um assalto, supostamente cometido por imigrantes venezuelanos.
O ministro da Defesa, Joaquim Silva e Luna, afirmou que nos próximos dias será detalhado o número de efetivos e o custo da operação, mas assegurou que "as tropas já estão posicionadas".
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Sergio Etchegoyen, explicou por sua vez que as Forças Armadas poderão assumir funções policiais.
Segundo Maurício Santoro, professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o discurso de Temer "não é surpreendente no sentido de que tem havido uma condenação cada vez mais forte do governo venezuelano, declarações cada vez mais fortes do governo brasileiro sobre a situação na Venezuela (...). Passa também por essa visão cada vez mais forte de que a crise da Venezuela atravessou as fronteiras. Chegou em Roraima, está presente na Colômbia, Peru, Equador".
O chanceler Aloysio Nunes assegurou, em uma entrevista com a AFP pouco antes do anúncio, que o governo brasileiro não tem "nenhum plano de fechar a fronteira", apesar dos apelos neste sentido das autoridades de Roraima.
"A situação dos refugiados é uma consequência da gravíssima situação da sociedade venezuelana, das opções do governo venezuelano, da crise econômica, de segurança, política, do autoritarismo", afirmou.
Temer, o mais impopular dos presidentes das últimas décadas, toma estas iniciativas faltando pouco mais de um mês das eleições gerais de 7 de outubro, nas quais nenhum candidato alinhado com as políticas de liberalismo econômico de seu governo aparece entre os favoritos.
Aloysio Nunes confirmou que Brasília negocia com Caracas para evitar que a estatal elétrica venezuelana Corpoelec corte o fornecimento de luz a Roraima por uma dívida de US$ 40 milhões que o Brasil não pode pagar devido às sanções dos Estados Unidos e da União Europeia contra a Venezuela.
"Houve contatos (com as autoridades da Venezuela). Há menos de uma semana, esteve lá o embaixador do Itamaraty, em contato com a empresa estatal venezuelana que fornece energia (a Roraima)", declarou o chanceler à AFP. "Espero que não executem (o corte do fornecimento)".
Roraima é o único dos 27 estados brasileiros que não está conectado com o sistema elétrico brasileiro. Para se abastecer importa energia da hidroelétrica de Guri, na Venezuela, através de uma linha de transmissão inaugurada em 2001 pelos então presidentes Hugo Chávez e Fernando Henrique Cardoso.