Danos ambientais em Brumadinho ainda são uma incógnita
Uma semana depois da ruptura da barreira de rejeitos em Brumadinho, a dimensão humana da tragédia é clara: 110 mortos e mais de 230 desaparecidos. Mas permanece a incógnita de quais serão os impactos no meio ambiente.
As autoridades temem que o barro misturado com metais chegue em algum momento ao rio São Francisco, o segundo maior do Brasil, lar de diversas espécies de peixes e comunidades ribeirinhas.
O barro já se arrastou ao longo de 200 km pelo rio Paraopeba - afluente do São Francisco -, no qual a Agência Nacional de Água (ANA) detectou uma presença elevada de metais, em níveis perigosos para a saúde.
Os habitantes que vivem do rio relatam terem visto peixes mortos, flutuando na superfície.
"A maioria das pessoas aqui são muito rurais, ribeirinhos. Então usamos o rio Parapeba como alimento, pela pesca, e para canalizar a água e regar a horta, e agora não se pode mais fazer isso", afirma Leda de Oliveira à AFP.
Os últimos testes da Agência Nacional de Águas (ANA) mostram níveis preocupantes de ferro, magnésio e alumínio.
Os níveis de chumbo e mercúrio, que inicialmente subiram, voltaram aos níveis normais, segundo a agência, que mede apenas a qualidade da água, e não como os metais estão sendo absorvidos pelos sedimentos, peixes e ecossistemas em geral.
Os efeitos em longo prazo podem levar anos para se tornarem aparentes.
"Neste momento há muitas incógnitas: como o lixo é tóxico, qual a mobilidade das toxinas? O lixo se moverá novamente? Só quando tivermos essas respostas saberemos, na verdade, quanto será negativo", afirmou o especialista em deslizamentos de terras David Petley, professor da Universidade de Sheffield.
Para conter a contaminação, são necessárias ações imediatas e muito caras, se adotadas corretamente, segundo ele.
"Há muito lixo no rio, e há o risco de que ele se mova rio abaixo com enchentes, ou que as toxinas que ele libera se movam", afirma.
Embora o deslizamento de terra em Brumadinho tenha deixado um alto índice de mortes, a ruptura semelhante que atingiu a mesma região há três anos, na cidade de Mariana, é considerada o pior desastre ambiental da história do Brasil, com efeitos que perduram até hoje.
Os rejeitos tóxicos avançaram 650 km adentro do rio Doce, até chegar ao Oceano Atlântico.
Ecossistemas inteiros foram devastados.
A tragédia de Mariana lançou 60 milhões de toneladas de lixo nas águas, quatro vezes mais do que os 13 milhões de toneladas expelidas pela barragem em Brumadinho.
Em ambos os casos, as estruturas que cederam são diques de contenção de resíduos - reservatórios de elementos descartados no processo de extração de minério de ferro - construídos com uma tecnologia chamada "alteamento a montante", em que mais um nível é acrescido à barragem à medida que o volume aumenta.
Esse tipo de barragem é a maneira mais comu e mais barata de armazenar resíduos de mineração. E também o mais arriscado.
Petley espera que as medidas para conter a contaminação tenham melhorado desde a última tragédia, mas considera os dois episódios "falhas escandalosas".
A Vale começou a desmantelar seus reservatórios de resíduos no Brasil após o desastre de 2015 e agora acelerou o processo para fechar as dez barreiras restantes.
Para os habitantes de Brumadinho, o plano de desmantelamento chegou tarde demais.
A maioria dos mortos e desaparecidos trabalhava na mina. Muitos dos empregados estavam almoçando no refeitório da empresa quando a barreira se rompeu.
Em Brumadinho, onde vários moradores acusam a Vale de priorizar o lucro à frente das vidas humanas, algumas paredes foram pichadas com a mensagem "Vale, assassina".
Os manifestantes também jogaram lama nas paredes da sede da empresa no Rio de Janeiro.
"Estamos todos abalados. Isso não deveria ter acontecido. Houve um monte de imprudência. Hoje toda a Brumadinho está de luto", lamenta Gustavo França, um agente imobiliário de 25 anos que perdeu muitos amigos.
As autoridades bloquearam 3 bilhões de dólares em ativos da Vale para garantir o pagamento do desastre em Brumadinho, que certamente provocará uma avalanche de ações judiciais.
A tragédia também fez a empresa perder cerca de 20% de seu valor de mercado em uma semana.
Mas é provável que o maior produtor mundial de minério de ferro sobreviva: em 2017, embolsou US$ 5,5 bilhões em lucro líquido, de uma receita de US$ 34 bilhões.
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