Covas muda merenda de creche e ignora nutricionistas

Por ARTUR RODRIGUES E MARIANA ZYLBERKAN

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A gestão Bruno Covas (PSDB) delegou a compra de frutas, verduras e legumes para a direção das creches conveniadas da cidade e acendeu alerta entre nutricionistas para possível piora da qualidade na alimentação.
A medida agrada vereadores que têm forte influência sobre as entidades conveniadas e contraria conselho alimentar da própria prefeitura.
A rede conveniada representa 280 mil das 340 mil vagas de creche. Das 35 mil novas vagas previstas, a maioria também será criada neste formato.
O Conselho de Alimentação Escolar da Cidade de São Paulo emitiu nota em que recomenda que o envio de alimentos não seja substituído pelo envio de dinheiro. "A aquisição e oferta de produtos como frutas, verduras e legumes será muito difícil de acompanhar e fiscalizar, pois é difícil de ser estocado", afirma nota do órgão fiscalizador do programa de alimentação escolar.
Há preocupações em relação à qualidade dos alimentos comprados pelas entidades. "A atual gestão quer diminuir custos. Ao repassar para as entidades e tarefa de comprar os alimentos há economia na parte logística. É uma redução de custo que impacta no direito humano à alimentação", diz diz Vera Vilela, presidente do Comusan (Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional).
A prefeitura afirma que aumentará os repasses em 3,85%. Entre as supostas vantagens, estão diminuição do trânsito na cidade, incentivo à economia local e autonomia das creches.
As conveniadas são responsáveis por comprar as carnes servidas na merenda, o que já se mostra problemático. Nutricionistas que integram o Conselho de Alimentação Escolar denunciam rotineiramente uma série de irregularidades oficializadas em relatórios que evidenciam falhas na supervisão por parte da municipalidade.
Em uma unidade, segundo o conselho, foi verificada a oferta de miúdos como fonte de proteína animal. Houve visita a escola em que nutricionistas constataram prato servido às crianças com até cinco vezes menos proteína do que o recomendado. "As equipes da prefeitura são desfalcadas e não dão conta de avaliar a merenda servida em mais de mil creches conveniadas. Isso acaba redundando em visitas muito esporádicas, a maioria é vistoriada por nutricionistas uma vez por semestre", diz a presidente do Comusan.
Além disso, há preocupação em relação à apresentação das notas fiscais de compras de alimentos por parte da direção das entidades. Fiscais do conselho relatam com frequência a dificuldade dos terceirizados em lhes apresentar os comprovantes durante as visitas, o que impede o acompanhamento da qualidade dos alimentos.
Outra atividade que fica a cargo das entidades, a escolha das locações, gerou uma indústria de pagamentos de aluguéis superfaturados e a donos de imóveis ligados a vereadores, conforme a Folha revelou.
O aumento dos repasses concentra ainda mais poder na mão das conveniadas e, consequentemente, dos vereadores. A possibilidade de escolha dos fornecedores aumenta a chance de sobrepreço e favorecimentos, assim como ocorreu com os aluguéis.
O evento para anunciar a mudança ocorreu na Câmara Municipal, ao lado de vereadores aliados.
Em entrevista, o secretário da Educação, João Cury, defendeu a medida, que definiu como de confiança em relação às entidades.
"A fiscalização também é uma preocupação nossa. Agora a gente tem os órgãos de controle, Tribunal de Contas, Ministério Público, a própria Câmara Municipal está muito presente nessa fiscalização para garantir a qualidade", afirmou.
A Secretaria de Educação, em nota, afirmou que toda fiscalização das merendas gera um relatório e, quanto há irregularidades, a coordenadoria toma as providências cabíveis imediatamente. Em relação aos conselhos, a pasta informou que nutricionistas vão acompanhar a compra de frutas, verduras, legumes e ovos.