'Brasil em maus lençóis': dívida com órgãos internacionais é recado ruim ao mundo, diz especialista

O Brasil está devendo bilhões de reais a diversos organismos internacionais

Por JORNAL DO BRASIL

Em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro participa de evento do Brics (arquivo)

O governo brasileiro acumula uma dívida de R$ 10,1 bilhões com organismos internacionais, sendo que o orçamento da União prevê o pagamento de somente R$ 2,2 bilhões em 2021 – valor que não cobre sequer os compromissos deste ano, estimados em R$ 4,2 bilhões. A situação pode piorar ainda mais, uma vez que cortes de verbas são esperados.

Entre os credores do Brasil estão a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) - o banco do BRICS -, e também o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A situação foi regularizada apenas com a Organização das Nações Unidas (ONU), mas o quadro geral pode afetar a candidatura do Brasil ao Conselho de Segurança da instituição no biênio 2022-2023.

Para Fernando Brancoli, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em política externa brasileira e em questões de segurança internacional, a falta de pagamento tem um efeito negativo não só econômico, mas também simbólico para o país.

"É um recado para outros países que o Brasil - se é que precisamos de mais um recado - está em maus lençóis no que diz respeito a sua organização política, sua organização econômica", afirma o professor em entrevista à agência de notícias Sputnik Brasil.

Brancoli acrescenta que os efeitos práticos dessa situação variam de acordo com cada organismo, mas podem levar à suspensão do Brasil nesses espaços internacionais em determinadas situações.

"Lembrando, claro, que uma imagem negativa do Brasil nesse momento pode prejudicar também futuros acordos, futuras práticas de cooperação, na medida em que [o Brasil] acaba sendo visto como um país que não consegue organizar suas contas, que não consegue lidar direito com as suas finanças internacionais e com os seus compromissos", salienta.

O pesquisador reforça que a situação é agravada pelo fato de que essas dívidas vêm de tratados e acordos internacionais, o que prejudica ainda mais a imagem do país no plano global.

Escolha política do governo Bolsonaro

Brancoli acredita que a situação decorre de um posicionamento político do governo brasileiro, apontando que os cortes do Ministério da Economia nesse sentido derivam de uma visão do presidente Jair Bolsonaro de que tais organismos internacionais "não servem para muita coisa".

O professor explica que é provável que o governo Bolsonaro veja nesses cortes uma chance de gerar austeridade com menos impacto político interno, diferente do esperado de cortes em áreas como saúde e educação.

"É visto como algo menor, é visto como algo inferior e fácil de cortar. Mas gostaria de lembrar que a crise pandêmica tem sido uma crise que tem sido resolvida através dessas instituições também", aponta, lembrando o papel da OMS no caso da distribuição de vacinas contra a covid-19.

O especialista acredita que a visão atual do governo é "simplista", uma vez que não compreende as vantagens de manter as contas internacionais em dia.

"Acaba sendo uma visão muito simplista por parte do nosso Ministério da Economia - que obviamente responde às decisões da Presidência da República - em olhar isso como um mero gasto. Isso é um investimento, no final das contas, que pode, sim, ter um impacto direto em como o Brasil vai lidar com os desafios ligados não só à pandemia mas à recuperação econômica e outros elementos importantes no futuro", avalia.

Brancoli defende que o Brasil invista em soluções como a emissão de títulos da dívida pública para garantir o pagamento às instituições internacionais, salientando que essa solução vem sendo recomendada e aplicada mundo afora em meio à crise da covid-19.

O especialista ressalta ainda que a falta de pagamentos às organizações não é uma novidade e já ocorreu em governos anteriores, "mas nunca nessa escala" praticada pela gestão atual. Levando em conta o histórico de governos anteriores, o pesquisador aponta que após as próximas eleições presidenciais essa situação talvez melhore, mas alerta que há perigos em esperar tanto tempo.

"Imagino que em um contexto político diferente, também com a pandemia perdendo um pouco de gás, a gente pode ter, sim, um cenário mais distinto. Mas, acho que esperar até 2022 é muito arriscado, a gente deveria estar movimentando essas considerações por agora, já", conclui.(com agência Sputnik Brasil)