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Cop-26: 'Agronegócio brasileiro está na vanguarda das práticas mais sustentáveis', diz especialista
Por JORNAL DO BRASIL
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Publicado em 04/09/2021 às 08:44
Alterado em 04/09/2021 às 08:44
O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, afirmou na quinta-feira (2) que o Brasil vai atuar em duas frentes para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (Cop-26). A primeira será apresentar projetos de redução real de emissões de gases de efeito estufa e a segunda será baseada na proteção de florestas e vegetação nativa.
"Vamos apresentar um Brasil que protege o seu território. Vamos mostrar o Brasil real, que pouca gente conhece, para o mundo, e mostrar que o país faz, sim, uma atividade sustentável na indústria, no transporte, na energia e, especialmente, na agricultura", disse Leite durante participação no programa A Voz do Brasil.
A Cop-26 vai ser realizada em Glasgow, na Escócia, em novembro. O evento vai reunir representantes de quase 200 países que vão analisar os esforços globais para combater a elevação das temperaturas no planeta.
Evento terá metas ambiciosas
A COP-25, realizada em 2019 em Madri, Espanha, teve consenso sobre a generalidade dos temas e foi destacada a necessidade de aumentar a mobilização global por cortes nas emissões de carbono, embora a regulação de mercados de carbono tenha sido adiada para a Cop-26. Nadja Heiderich, professora de Economia da Faculdade de Economia da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap) e especialista em economia ambiental, comenta a importância do evento.
"[A Cop é] a principal cúpula da Onu para debate das questões climáticas, com o objetivo de que ações para a redução de emissões sejam viabilizadas pelos países signatários e cobradas entre eles [...]. A Cop-26 deveria ter acontecido no ano passado, mas, por conta da pandemia de covid-19 foi adiada. Ela ocorre a cada dois anos. O evento conta com a participação de líderes de 196 países, bem como ambientalistas, classe empresarial e jornalistas", disse em entrevista à agência Sputnik Brasil.
Em agosto, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), corpo integrante da Onu, divulgou um relatório, elaborado por 234 cientistas de 66 países, que confirma que as mudanças climáticas que nosso planeta enfrenta são claramente de origem humana, sendo "um fato inequívoco e comprovado".
Segundo dados do documento, a temperatura global deve aumentar em 1,5 graus Celsius já em 2040, uma década antes do previsto anteriormente. Dada a urgência de agir, a especialista em economia ambiental acredita que os países devem apresentar metas ambiciosas nesta edição da Cop.
"É uma preocupação constante dos principais líderes mundiais a questão climática, não apenas pela elevação da temperatura, mas [também] pelos impactos que isso pode causar nas economias dos diversos países, causando desastres ambientais, secas, inundações, que podem levar à insegurança alimentar, intensificando a miséria, a fome e a desigualdade de renda."
Nadja Heiderich recorda que os EUA recentemente aprovaram um pacote de US$ 1,2 trilhão (aproximadamente R$ 6,22 trilhões) para ser gasto em infraestrutura e que envolve a adoção de soluções de energia mais limpas.
Mercado de carbono
Em abril, o então embaixador dos EUA no Brasil, Todd Chapman, deu um ultimato ao presidente Jair Bolsonaro em relação às metas ambientais. Ele afirmou que a Casa Branca esperava que o Brasil apresentasse um cronograma de redução gradual da derrubada das florestas na Amazônia e acrescentou: "as relações entre nossos países dependerão muito dessa postura ambiental do Brasil".
A professora de Economia da Fecap garante que é muito importante que o país apresente um plano de ação.
"A adoção de metas é um passo importante, mas não o único. Um plano detalhado para a perseguição dessas metas deve ser elaborado e divulgado, de maneira a trazer mais segurança e previsibilidade aos interessados."
Ainda assim, Heiderich frisa que a pressão internacional sobre o Brasil é desproporcional, uma vez que outros países que são grandes poluidores não recebem o mesmo nível de intimidação.
"O Brasil tem, há muito tempo, os holofotes voltados para si, por meio das cobranças de diversos países quanto a sua política ambiental. E, nesta questão, observo que, muitas vezes, com mais barulho do que em relação aos países mais poluidores do mundo, como a China, EUA e pertencentes à União Europeia."
Sobre o mercado de carbono, que surgiu em consequência do Protocolo de Quioto, tratado internacional que prevê a redução da emissão de gases do efeito estufa, a especialista salienta que atualmente há um projeto de lei sobre o marco regulatório para o mercado de carbono no Brasil.
"O marco regulatório para o mercado de carbono no Brasil é muito importante, pois promoverá o desenvolvimento deste mercado no país, com a geração de empregos e renda [...]. O projeto de lei 528/21, do vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos [PL/AM], visa a regulação do mercado de carbono no Brasil e já está em discussão na Câmara dos Deputados. Existe um certo otimismo que antes da Cop-26 já tenha sido votado. Isso é um passo importante para o país."
Mundialmente, todavia, há um impasse nesse tópico, uma vez que nem todos os países concordam com os detalhes da proposta que possibilita a compra de créditos de carbono para compensar as emissões de efeito estufa.
"Mais de 100 países apresentaram essa mesma demanda na última Cop. Existe uma certa desvantagem entre os países ricos e os emergentes e pobres, uma vez que estes últimos necessitam de vultosos recursos para investimentos nesta área. É um impasse, pois existe um conflito de interesses e o volume de recursos antes previsto para repasse aos países mais pobres não foi atingido até o momento. Existe um ponto importante a considerar: esse repasse normalmente se dá via financiamentos, e os países não desejam emprestar estes recursos a fundo perdido", explica Heiderich.
A especialista cita como exemplo o próprio Brasil, que se comprometeu a viabilizar diversos projetos de carbono, reduzindo suas emissões. "Esses projetos foram implementados e validados pela Onu, mas não foram adquiridos pelos países que deveriam reduzir emissões de maneira obrigatória. Assim, é necessária muita negociação e boa vontade por parte dos países ricos para que esse tipo de solução possa seguir adiante", comenta.
RenovaBio e agronegócio
A ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, afirmou na semana passada que governo Bolsonaro e a sociedade civil estão se preparando para "levar a visão brasileira sobre agricultura e ambiente à Cop-26".
Entre as iniciativas que serão apresentadas está a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), que Heiderich afirma ser muito importante, principalmente com o Brasil vivendo a maior crise hídrica desde 1931 e com risco de racionamento compulsório de energia no país.
"O RenovaBio tem um grande potencial para o processo de descarbonização para o setor de combustíveis. De acordo com a União da Indústria de Açúcar [Única], espera-se com este projeto a redução de 874 mil toneladas de CO2 [dióxido de carbono] em etanol e biodiesel, o que seria equivalente ao replantio de seis bilhões de árvores. E para o Brasil haveria a menor dependência da importação de combustíveis, trazendo mais equilíbrio à balança comercial; a geração de mais de um milhão de empregos; e, ampliação da segurança energética, ao reduzir a dependência em relação à hidroeletricidade", destaca a professora da Fecap.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) também espera utilizar a participação do Brasil na Cop-26 como plataforma para melhorar a imagem do setor agropecuário no exterior. A especialista considera que a ideia é muito bem-vinda.
"Nossa agropecuária é altamente tecnológica, somos eficientes e desenvolvemos muitos projetos para o meio ambiente. Nos últimos 40 anos, a agricultura cresceu 386%, mas elevou a ocupação de terras em apenas 33%. Isso só foi possível com pesquisa e desenvolvimento e intensificação da tecnologia no manejo das culturas."
Heiderich sublinha a importância da iniciativa privada e o Estado trabalharem juntos para alcançar projetos mais sustentáveis.
"O Estado, apesar de ocupar uma posição de liderança e de encaminhamento das principais estratégias para o país, não consegue abarcar todas as iniciativas possíveis. Ele deve ser o protagonista em termos da diretriz principal a ser seguida, dos marcos legais a serem desenvolvidos, da criação de incentivos para os diversos setores, mas a iniciativa privada tem maior capacidade em termos de recursos para a implementação de ideias e soluções", assevera.
ABC Cerrado, programa com o objetivo de fomentar o uso das tecnologias de baixa emissão de gases para combater os efeitos do aquecimento global, e o Observatório da Agropecuária Brasileira, plataforma que integra bases estratégicas e visa a prover dados, informações, conteúdos e painéis dinâmicos sobre o setor no país, são algumas das iniciativas recentes de sucesso do agronegócio do Brasil listadas pela especialista.
"O agronegócio brasileiro está na vanguarda das práticas mais sustentáveis e isso, com certeza, deve ser comunicado [...]. Existem problemas sim, mas não como é abordado no exterior, como se os agricultores brasileiros estivessem queimando toda a Amazônia para a expansão do uso de terras", comenta.(com agência Sputnik Brasil)