A Favorita

Por Carlos Fernando Andrade*

Glórias alcançadas, sete mares cruzados, regressa “Antes Que Eu Me Esqueça”, filme de Thiago Arakilian, de quem peguei a onda, semanas atrás, e aqui abordei Copacabana, o bairro. Malgrado a distribuição mesquinha no porto de origem, prêmios em Praga, Milão, Shangai...Garantia de relançamento?

Enquanto eu, crítico desautorizado, imiscuo-me recalcitrante à sala escura, desta feita para acompanhar a história de duas damas inglesas que disputam, além do Oscar, os favores de sua rainha, no início do Século XVIII, repercutindo nos aposentos reais, o que ocorria no parlamento inglês.

Na trama, abraçam partidos antagônicos que congregam, em um, os grandes donos de terra, representantes da ordem estabelecida, ditos, Conservadores; e, no outro, a nascente burguesia, cujo dever histórico é rompe-la: Liberais, portanto.

Yórgos Lánthimos, o diretor, através de uma criação alegórica e barroca, exibe o jogo político como um tabuleiro em que, através de volumosas perucas, próprias da época, por certo exageradas, identifica as peças pretas e brancas.

A contenda se trava em torno da conveniência, ou não, de pôr fim à guerra com a França, sob argumentos, de parte a parte, essencialmente pecuniários. Os que dependem da terra veem, no conflito, um desastre, enquanto que, para os que se dedicam às novas atividades urbanas, mostrar-se-ia vantajoso. Fundições, estaleiros e tecelagens fabricarão os novos donos do mundo.

Não estaria eu debruçado sobre isso, não fosse a queridíssima Dora Alcântara, em cujas aulas tomei conhecimento de que, entre aqueles emperucados senhores, há de estar um certo John Methuen, que, como Ministro daquela mesma Rainha Anne - no filme, verdadeira parva - não houvesse enredado Portugal em um acordo comercial, que leva seu nome, mas também a sugestiva alcunha de “Tratado dos Panos e Vinhos”.

De liberais ingleses pra lá, mas conservadores lusitanos e agroindústria vinícola pra cá, a política externa portuguesa é feita, trocando facilidades alfandegárias para tonéis e garrafas conquanto houvesse reciprocidade para os tecidos ingleses.

Pode ser que Methuen só quisesse vender pano, mas com seu tratado teceu uma nova trama mundial. Teares ingleses, símbolo da Revolução Industrial e marca do capitalismo liberal, conjugam-se com o que havia de mais arcaico e conservador no restante do mundo: escravidão, monocultura e mineração predatória, sendo, esta última, responsável por criar um nova capitania no longínquo Brasil, e que levaria o nome da coisa, em si: minas.

Impossível não pensar que da terra, nome do planeta, se tira fortuna e tragédia. Quando Lisboa tremeu, da terra saiu o ouro de Minas que foi reconstruí-la, gerando a Baixa Pombalina. E que após refazer a Corte portuguesa, transformou o Brasil em Vice-Reino, elevando o Rio à condição de sua sede.

O Rio, cidade global, é uma criação mineira, pois mesmo quando o ouro escasseou, o Rei chegou aqui para fazer o café tomar o caminho inverso e subir a serra.

No final do século, a República encontra Minas Gerais como a maior província do país e o Rio, sua capital, para onde mandará Presidentes e cronistas.

Mineiro é ofício e gentílico.

Wilson Figueiredo, querido amigo, que fez história aqui no JB, classifica-os em “Os Mineiros” (Gryphus, 2018) em três categorias: Modernistas, Sucessores e Avulsos. Na primeira: Drummond, Pedro Nava... sucedidos por gente como Mendes Campos, mestre da crônica, e Carlos Castelo Branco. Alkmin, mais famoso pelo fraseado do que pelos feitos, encabeça os avulsos.

Valladares, político e frasista, anterior à antologia figueirense, dizia que Minas está onde sempre esteve, porém, parte dela pode estar descendo o São Francisco que, canta o sertanejo, “vai bater no meio do mar”.

“Mas o mar secou”, desencanta o mineiro.

Lama, represada, um dia se solta.

“Minas não há mais...”

E agora?

* Arquiteto e urbanista, DSc