Uma criptomoeda para o clima?

Por Alfredo Sirkis*

A perspectiva em relação às mudanças climáticas para mantê-las num limite, aquém do catastrófico no tempo de vida das gerações de nossos filhos e netos deteriora-se a olhos vistos. Houve um efêmero momento otimista da Conferência de Paris, que agora retrocedeu. O recente relatório do IPCC sobre as perspectivas para 1.5 graus revela que manter a temperatura no planeta abaixo dos 2 graus, até o final do século, não resolveria questões cruciais como o derretimento das geleiras, a elevação do nível dos oceanos e diversas outras consequências graves.

A disposição de certos países-chave de cumprirem as respectivas NDCs parece incerta. Na trajetória "normal" em que nos encontramos, hoje, vamos embalados, para mais de 4 graus.

O negacionismo climático de Trump produz retrocessos em dominó - embora a queima do carvão continue a cair no seu governo. A da sociedade civil mobilizada, as ONGs, parecem atarantadas. Isso ficou bem simbolizada pela Marcha do Clima, que assisti em Paris, com participação de alguns "coletes amarelos" que querem a gasolina mais barata. E o dominante era o "Fora Macron"... A política não sabe como enfrentar a mudança climática. Solução alguma virá dessas reuniões anuais da UNFCCC porque seu avanço, incremental, é sempre dado pelo denominador comum mais atrasado, em geral a Venezuela e a Arábia Saudita. O evento One Planet do presidente Emanuel Macron, que mistura chefes de estado, personalidades do mundo artístico e da da mídia, executivos das maiores empresas tenta compensar isso.

A questão crucial é econômica! De onde virão os três a cinco trilhões de dólares por ano para financiar a descarbonização, inclusive para compensar os "perdedores" vinculados à economia fóssil, cujo poder, acabamos de ver na França com os "coletes amarelos", há que ser levado em conta? Em meados dos século, o transporte a combustível fóssil deverá ser coisa do passado. Para absorver carbono numa escala compatível com 1.5 grau teremos que reflorestar uma superfície do tamanho do território dos EUA. O Brasil, com 60 milhões de km² de pasto degradado, tem algo a dizer a respeito. Em 2015, o Brasil conseguiu introduzir no preâmbulo do Acordo de Paris o Parágrafo 108 que, trocado em miúdos, reconhece o valor econômico do menos-carbono. Ou seja: reduzir emissões e retirar carbono da atmosfera passou a ter valor econômico. É algo diferente dos créditos de carbono de quem compra uma redução de emissões de outrem para atender sua meta.

Já discutimos diversas maneiras de potencializar essa "precificação positiva" do menos-carbono, mas todas elas envolviam governos, bancos centrais, bancos de desenvolvimento e fundamentalmente uma pitada de audácia e imaginação que faltou, por exemplo, ao Banco Central Europeu, na sua fase de quatitative easing. Imprimiu liquidês a rodo para comprar variados tipos de papéis mandrakes, mas não pensaram em lastrear certificados de redução/sequestro de emissões. Isso me leva sonhar em chutar o pau da barraca.

A descarbonização será alavancada por uma moeda lastreada no menos-carbono, que remunere sua retirada da atmosfera, sua emissão evitada ou a redução de sua emissão.

Uma criptomoeda (com vocação de moeda) lastreada simplesmente no menos-cabono para o qual já abundam mecanismos técnicos de certificação, no próprio sistema da ONU, é uma arma cujo potencial não pode mais ser desprezado. Futuramente, poderá inclusive servir para rever o papel geopolítico desproporcional do dólar. O velho mundo só tem a perder sua impotência diante da mudança climática. Hackers e formadores de opinião, de todo o mundo, uni-vos: viva a criptomoeda do menos-carbono.

* Escritor, jornalista e coordenador-executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima