A Revolução que falta!
O escritor russo Fiódor Dostoievski, tido como um dos melhores romancistas do mundo, disse que "a beleza salvará o mundo". A literatura russa é riquíssima e poderíamos mencionar, igualmente, Tolstói, Korolenko, Lérmontov, Gogol, Gorki, Pushkin, Tchekhov e tantos outros. Todos prenhes de histórias profundamente arraigadas nas melhores tradições da literatura clássica, romântica, realista etc., com conteúdo inequivocamente humanista, se pensarmos nas reflexões a que nos conduzem suas narrativas e nos sentimentos que nos inspiram. Todos belos.
Estético não é apenas o que é belo, senão o feio não poderia ser um objeto estético; o estético é, do mesmo modo, um objeto ou um ente sensitivo e perceptivo, em face das subjetividades inerentes aos próprios seres humanos em sua existência. Não obstante, estético é também o belo. Para o filósofo Immanuel Kant, belo é tudo aquilo que proporciona prazer ao ser. Ceifar as experimentações estéticas, as sensações que elas proporcionam, o aprendizado que com elas desenvolvemos, é ceifar grande parte da própria vida. E uma vida social como a que temos construído, forma de existência coletiva que elimina indivíduos de várias maneiras, desde a castração da alegria e do prazer de viver, para o que não há próteses, até a forma física, pura e simplesmente, e como a que estamos criando para nosso futuro, está nos levando, infelizmente, para lugares sem fruição estética e existencial.
Para continuar a usar o exemplo da literatura, uns e outros dirão que é literatura subversiva! Jorge Amado? Aquele constituinte esquerdopata de 1946? Será abolido dos bancos escolares. Guimarães Rosa? Ora, esse diplomata que ousou mostrar a pobreza nordestina? Isso é coisa de petista (o fato de o PT sequer existir quando Rosa era vivo é mero detalhe para a boçalidade reinante)! Fora! Melhor adotar livros do "filósofo humanista" Brilhante Ustra (1932-2015), coronel do Exército, confessadamente torturador. Afinal, nunca se sabe quando as crianças precisarão desse conhecimento, não é? Também não é bom mostrar para a garotada como a economia que criamos e como nosso modo de vida consumista vêm destruindo o planeta; é melhor afirmar que a crise ambiental é inexistente e fabricada pelos perigosos "marxistas culturais gramscianos". Ah, e não dá para esquecer de verdadeiras "pérolas filosófico-existenciais" que afirmam que cervejas bock levam as crianças a fazer sexo oral ou que hotéis-fazenda são lugares para a realização de zoofilia.
Uma das belezas da vida é sua diversidade. Somos negros, brancos, cafuzos, amarelos...; somos altos, baixos, gordos, magros...; brasileiros, franceses, hindus, senegaleses...; católicos, muçulmanos, budistas, ateus...; de esquerda, de direita, de cima e de baixo. Isso não é problema algum, em princípio e, penso, por princípio. O problema é como lidamos com a diferença. Se o outro, o diferente, não é apreendido, sensível, racional e existencialmente, como alguém que irá nos enriquecer com sua visão de mundo alternativa à nossa, o trataremos como um traste a ser eliminado culturalmente e, quando isso não for possível, fisicamente mesmo. Os outros somos nós, fora de nós, por nós, se o respeitarmos e o transformarmos em um fraterno aliado, apesar da diferença e com isso, o outro está em nós, posto que temos o potencial para sermos um, ainda que na diversidade. Transformamo-nos em um, no ideal de construir, juntos, um mundo melhor, agradável, justo, solidário e generoso; e não um mundo excludente, egoísta, racista e castrador do que há de melhor no ser humano: ele mesmo e sua alegria de viver em paz consigo e com outrem. Tornamo-nos um, mantida a diversidade.
O Brasil (o mundo) de hoje causa-me medo, porque vem sendo construído de modo oposto deste, que acabo de escrever. Tolstói dizia que a maior desgraça do mundo não são as grandes guerras, mas as picuinhas diárias entre as pessoas de bem. Isso mina as estruturas vitais e estamos permitindo, no mundo e no Brasil, que tal ação deletéria cresça em nossas cabeças e corações. Até quando?
É hora de acordamos para a vida em grupo, com toda a diversidade que isso implica. É hora de sentirmos o outro como sentimos a nós mesmos. É hora de realizarmos a verdadeira e maior revolução com a qual ainda não nos comprometemos e que nos tem sido ensinada por muitos e belos seres humanos, dos mais diversos lugares e visões de mundo, desde priscas Eras, tal como Buda, Maomé, Cristo, Gandhi, Martin Luther King Jr., John Lennon, Madre Tereza de Calcutá, Princesa Diana, Dalai Lama, Zilda Arns e tanto outros. Esta revolução pode ser representada pela máxima de Cristo, comum a todos os aqui citados: amai o próximo como a ti mesmo. Se todos seguirem este princípio, ninguém sentirá o ódio que o levará a desejar eliminar o outro; ninguém pensará em ações que prejudiquem o outro e ninguém fará nada que agrida o outro, seja da forma como for. Não é fácil, mas é possível; não para amanhã, mas para hoje. O momento é agora!
* Geógrafo e pós-doutor em Geografia Humana