ARTIGOS
O sol da liberdade e seus raios fúlgidos
Por ADHEMAR BAHADIAN, artigosadhemar@yahoo.com
agbahadian@gmail.com
Publicado em 14/03/2021 às 15:41
Alterado em 14/03/2021 às 15:42

Fúlgidos ou fugidios? Esperança ou descrença? Vivemos no Brasil a hora mais incerta. Me lembra vagamente a angústia de minha tia, quando soube do voluntário embarque de José Maria com a FEB para a guerra na Europa, determinado a lutar pela Democracia contra Hitler e Mussolini.
Foi e voltou. Morreu com noventa anos. Avesso às ditaduras, foi crítico acerbo de todas elas e se estranhava com o Brasil, onde a Democracia apregoada aos quatro ventos, servia de justificativa para a censura, os estados crepusculares do Direito, os golpes militares salvacionistas, a luta contra messiânicos líderes, civis ou não, que assombram nossa vida. Morreu antes de ver esta guerra dizimar mais de 275 mil brasileiros.
Não sei o que José Maria diria sobre a atitude de nosso governo e sobretudo sobre a inteligência do combate à Praga nesta hora em que o país se torna o foco pantanoso de virulência fatal.
Leitor assíduo de Eça de Queiroz - com quem partilhava o prenome - talvez qualificasse, como o escritor português de “Os Maias”, nossas autoridades de canalhas ou de pândegos ou de tristes figuras ensandecidas pelo vento da irracionalidade ideológica e pela alienação cultural gestada na bipolaridade artificial do bem contra o mal. Num mundo sem nuances, sem colorido, onde o primarismo intelectual nos aproxima da barbárie de nossos antepassados das cavernas, assustados a cada passo por um ardil de forças sobre-humanas. Em pleno século 21, junto com a pandemia, espalha-se pelo Brasil a anarquia imposta por um mundo mágico.
Lembrei-me de José Maria porque foi de suas mãos que recebi como presente de aniversário, o livro de Albert Camus “La Peste”, um dos mais marcantes em minha formação. Andava então pelos meus vinte anos, idade em que os desafios da liberdade se erigiam diante de nós como esfinges e a aventura de viver se ramificava em opções a nos impor a coragem da liberdade ou o comodismo escravizante da sujeição. Difícil compreender que a vida não era feita de acasos, mas de compromissos e o maior deles seria com nossas consciências de cidadãos e defensores de um mundo melhor. Vinte anos, uma idade libertária.
Aos 80, o olhar para o presente nos arrepia a alma. Que fizemos deste país? De onde surgiram esses zumbis a nos proporem um futuro pior que o presente e a tentar nos convencer termos um país a leiloar na bacia das almas? De onde terá surgido esta política econômica, dita sem alternativa, a abdicar de nossa responsabilidade por milhões de brasileiros sem escola, sem pão sem o conforto da dignidade de um trabalho justamente remunerado e socialmente gratificante?
De onde terá surgido essa filosofia de vida comprometida com o caos e o derrotismo a nos associar ao ritual medieval de vermos guilhotinados a cada dia em praça pública os direitos fundamentais inscritos em nossa Constituição de 1988?
De onde terá surgido e a quem beneficia esta defesa de uma política educacional mesclada a um código religioso, muito antes de comprometida com a liberdade de culto e o respeito a toda visão da transcendência humana?
De onde terá surgido essa cômoda e desprezível atitude de nossa política externa de nos alinharmos à politica monopolista de países produtores de vacinas contra a Peste, ao invés de clamar no sacrílego altar da OMC-neoliberal que as regras vigentes sobre propriedade intelectual de fármacos são tão ou mais assassinas, tão ou mais abortivas e teratológicas quanto a chantagem do assalto à mão armada? Ou será que 275 mil mortos não são a expressão numérica do abandono, do charlatanismo, da mais alvar ignorância ou da mais absurda e conivente política a favor da Peste e de seus demônios?
A que Rei estamos a servir? A quem nosso servilismo primitivo beneficia? O que diremos a tantos órfãos deixados por 275 mil brasileiros iludidos sobre a gravidade de uma Praga ou simplesmente enganados pela “terapia preventiva” criminosamente proposta pelos próprios responsáveis por nossa saúde pública?
Não é hora de mandar delegações de araque buscar frascos de perfumes em Israel e ainda por lá receber reprimendas públicas por nossa incivilidade no uso de máscaras. Diplomacia do me engana que eu gosto. Política externa de vaca de presépio diante do sociopata Trump a quem seguimos abanando o rabinho pelos labirintos das mentiras enlouquecidas. A quem seguimos em tudo, menos em seu único momento de lucidez em que fez da vacinação de seu povo um ponto de honra.
E aí ficamos sem eira nem beira, jogados na beira das estradas como retirantes da condição humana, contagiados e contagiantes do vírus da estupidez hilariante a nos fazermos palhaços no palco dos encontros internacionais.
De onde nos saiu esta doutrina econômica com mão de gato a congelar por 20 anos os direitos fundamentais de nossa Constituição? De que insensibilidade é feito o caráter de um marqueteiro financeiro que, a cada benefício proposto pelo Congresso, responde com a artimanha maliciosa de solapar ainda mais os que já se encontram à beira da pobreza? Truquezinhos marotos nas contas públicas; conversa fiada de vendedor de castelos mal-assombrados. Armador de granadas em bolsos alheios.
De que obscuras tratativas surgem essas ideias de incendiar nossas florestas, churrasquear nossos animais, extorquir nossos índios e suas reservas, expulsar nossos cientistas e ecologistas de nossos institutos de proteção ambiental? Que rios de dólares correm debaixo de nossas árvores centenárias?
Afinal - diga logo, ó Rei do país das mil fantasias - quantos mais devem morrer, quantas mães devem ainda chorar, para que Vossa Alteza encare a pequenez de seu caráter como homem e como político como estrategista do poder pelo poder, como maquiavélico agitador de mentes adormecidas pela ideologia do “matar sempre e perguntar depois”. Você, Ó Rei do Espanto, me lembra sempre a frase de Camões a cair como luva nestes tempos inglórios: “o fraco rei faz fraca a forte gente”. E temos melhores Reis, temperados pelas lutas contra a miséria, donos de retórica a que seu tatibitate primário jamais alcança porque lhe falta a marca da autenticidade e a indelével empatia com o povo. Felizmente.
Surge titubeante o sol da liberdade no solar maior da Justiça brasileira. Felizmente. Guardiã da Constituição, finalmente levanta sua voz contra a anarquia em que se transformou o Direito à cidadania e entreabre portas para nosso renascimento como Nação comprometida com os Direitos Fundamentais da Constituição de 1988. Felizmente. Aleluia.
O canto da tirania, entoada pelo coro dos ignorantes e dos pervertidos, não nos fará marchar mais uma vez para a falsa harmonia do autoritarismo armado. Aleluia. Nossos mortos impedem a covardia dos vivos. Aleluia. Que descansem em Paz, nossos guerreiros dizimados pela indiferença, pela ignorância e pela arrogância. Aleluia.
Temos um país a reconstruir. Aleluia. Por favor, se este cenário de esperança o incomoda, pegue o seu boné, junte os seus trapinhos, seus trambiques e seus trabuques. Ponha o pé na estrada e compre uma passagem sem volta. Aleluia.
*Embaixador aposentado