Por mais campanhas de informação
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Na primeira quinzena de abril, o vírus matou cerca de cinquenta mil brasileiros. Talvez, ao final do mês, tenhamos perdido cem mil conterrâneos, parte dos quais pessoas próximas, a quem não poderemos mais visitar, ligar ou mandar mensagens, conversar.
A cada morte, perdemos um pouco de nós mesmos. Olhamos para o espelho e não enxergamos o próprio reflexo, não nos reconhecemos neste mundo onde a carne se mostra frágil ao enfrentar o invisível que nos aterra. Por quanto tempo nos recordaremos daqueles que perdemos? A memória sobreviverá?
O Brasil tem mais de cinco mil e quinhentos municípios, segundo o IBGE. Desses, 326 possuem mais de cem mil habitantes. A covid-19 elimina o equivalente à maioria das cidades brasileiras, uma por mês. Ou mais. É como pegar a estrada para visitar uma dessas cidades e, ao chegar, não haver destino. Em que momento teríamos perdido a rota?
Neste país de atalhos e memória incerta, andar à deriva é a lógica. Impedidos de cruzar as fronteiras das redes sociais, limitamos a dignidade ao outro cujo impulso de raiva ou afeto se assemelha ao nosso. Cegos por essa teia opaca que nos prende a um fantástico perverso, equilibrar os pés na realidade impede, ao menos, que sejamos varridos por um sopro do planeta.
A realidade diz não vivermos num país autossuficiente. Precisamos de vacinas. E, por causa da péssima relação do governo federal com a quase totalidade das nações no mundo, não haverá boa vontade para fornecer insumos à produção. Daí, também, a necessidade do impeachment. Mas isso não basta.
Pesquisa feita pela empresa de consultoria “Kantar Public” em 2021 mostra a resistência de pessoas em tomar alguma vacina quando estiver disponível. Na Alemanha, França, Reino Unido, Holanda, Itália, Estados Unidos e Índia, onde a enquete foi realizada, o maior percentual de rejeição é entre os jovens. Dos entrevistados de 18 a 24 anos, apenas 32% pretendem se vacinar. Um dado igualmente preocupante indica a resistência à vacinação em países cujos cidadãos tendem a acreditar mais nos médicos de família do que no governo. É o que diz Emmanuel Rivière, diretor de pesquisas internacionais do instituto.
No Brasil, levantamento do “Poder 360” mostra igualmente uma rejeição maior da vacina entre pessoas de 16 a 24 anos. Ao serem questionadas, 33% responderam que não se vacinarão. A situação assume contornos preocupantes quando se vê o perfil de internação nas UTIs brasileiras em março de 2021. Dados do “Projeto UTIS Brasileiras” revelam que pessoas com menos de quarenta anos representam mais de 50% do total de internações. Entre dezembro de 2020 e fevereiro deste ano, o percentual era menor do que 45%.
A nova e mais agressiva variante do vírus e maior exposição de pessoas jovens a ambientes contaminados podem explicar a mudança no perfil nas UTIs. Embora parte desse grupo se considere forte, imbatível, a realidade mostra o contrário. Gente jovem morre por contrair a covid-19. E, ao recusar a vacina, impede o controle da doença.
Esses fatores devem ser considerados na urgente elaboração de campanhas de informação. E os resultados das pesquisas citadas indicam os públicos-alvo prioritários para as campanhas: médicos e pessoas mais jovens.
O governo federal não tem competência ou inteligência para promover campanhas de informação eficientes. Essa função caberá aos governadores e prefeitos, pois os parcos recursos mentais da cúpula em Brasília parecem direcionados, neste momento, à sobrevivência de seus integrantes nos cargos.
Dada essa realidade, assim como a imprensa fez um consórcio para coletar os números da doença, por que não fazer um acordo entre estados para criar campanhas de informação sobre a covid-19, em âmbito nacional?
Ao garantir informação e saúde aos que estão aqui, temos a chance de enxergar saídas desse ciclo macabro que nos desorienta e, assim, preservar a memória de quem, infelizmente, nos deixou.
Publicitário, escritor e membro da União Brasileira de Escritores-SP