Brasil reconhece que violou direitos de quilombolas para construir base de lançamento de foguetes
Governo brasileiro também se comprometeu à fazer um pedido de desculpas público em cerimônia aos quilombolas
O advogado-geral da União, ministro Jorge Messias, reconheceu que o estado brasileiro violou direitos de prioridade e de proteção jurídica de comunidades quilombolas durante a construção e implementação dos projetos da Base de Lançamento de Foguetes de Alcântara, no Maranhão, na década de 1980. O caso está sendo julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em Santiago, no Chile.
A CIDH e os representantes de 152 comunidades quilombolas de Alcantara acusam o Brasil de violacoes causadas pela falta de titulacao coletiva da propriedade sobre as terras tradicionalmente ocupadas, ausencia de consulta livre, previa e informada as comunidades com relacao a instalacao do Centro de Lancamento de Alcantara (CLA)
Em declaração lida durante o segundo dia de audiência na capital chilena, nesta quinta, Messias apresentou um pedido público de desculpas pelas violações. O ministro atribuiu ao fato do Brasil não ter finalizado, até hoje, o processo de demarcação do território quilombola de Alcântara e pela demora das instâncias judiciais e administrativas para permitir que as famílias pudessem fazer uso das terras demarcadas.
“Houve violação estatal ao direito de propriedade nesse caso porque o Brasil não promoveu a titulação do território tradicionalmente ocupado pelas comunidades até o momento. Houve também violação à proteção judicial em decorrência da demora processual e da ineficiência das instâncias judiciais e administrativas para permitir às comunidades quilombolas de Alcântara o exercício do direito à propriedade coletiva das terras por elas ocupadas”, declarou.
Durante a audiência, o Brasil manifestou compromisso de realizar uma cerimônia oficial de pedido de desculpas em até quatro meses, em data e local a serem acordados com representantes das comunidades quilombolas em questão. Ainda não há prazo definido para a divulgação da decisão final da Corte.
Ainda não há prazo definido para a divulgação da decisão final da corte. Esta é a primeira vez que o Brasil está sendo julgado pela CIDH e, embora seja membro e signatário, a instituição não pode obrigar o país a cumprir as determinações. Entretanto, especialistas em direito internacional, afirmam que seguir as decisões é importante para manter o prestígio entre as entidades.
Entenda o caso
Município com 22 mil habitantes, Alcântara fica numa península com localização privilegiada para o lançamento de foguetes e satélites. Próximo à linha do Equador, o centro - inaugurado pela Força Aérea Brasileira (FAB) em 1983 - possibilita uma economia de até 30% no combustível usado nos lançamentos.
A construção da Base de Lançamento de Foguetes, porém, levou um território de 52 mil hectares a ser declarado como de “utilidade pública”, segundo a CIDH, e as disputas territoriais seguem até hoje. Alcântara é o município que tem o maior número de comunidades quilombolas do país, com mais de 17 mil pessoas, distribuídas em quase 200 comunidades.
Na época, 312 famílias quilombolas de 32 povoados foram retiradas do local e reassentadas em sete agrovilas. Alguns grupos permaneceram no local e, segundo os denunciantes, sofrem ameaças constantes de expulsão para ampliação da base. Em 2004, a Fundação Palmares certificou o território e, em 2008, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) identificou e delimitou a área.