EDUCAÇÃO
'Corremos o risco de perder alunos por causa da fome', diz dirigente de universidade
Por JORNAL DO BRASIL
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Publicado em 19/12/2021 às 07:18
Alterado em 19/12/2021 às 07:20
Depois de dois anos sem aulas presenciais, estudantes das universidades federais se preparam para voltar aos campi em 2022. Além da preocupação com o curso, eles terão outro desafio no retorno: arcar com refeições até 270% mais caras nos restaurantes universitários, os bandejões.
Com a inflação dos alimentos e a queda de repasses do MEC (Ministério da Educação) para ações de permanência estudantil, reitorias de universidades federais de todo o país tiveram que reduzir, e em alguns casos até mesmo acabar, com o subsídio das alimentações. Com isso, os alunos terão que pagar quase três vezes mais do que antes da pandemia.
Um levantamento do Fonaprace (Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Estudantis) identificou que 33 das 69 universidades do país já reajustaram os valores ou estudam como repassar o aumento aos estudantes.
"É uma situação que afeta todas as universidades e vai ser um problema grave para o próximo ano. Não temos dinheiro para continuar dando subsídio a todos, mas também não podemos repassar o valor integral porque o aluno não vai dar conta de pagar. Corremos o risco de perder esses estudantes por causa da fome", diz Maísa Miralva da Silva, coordenadora do Fórum e pró-reitora da UFG (Universidade Federal de Goiás).
As universidades usam o recurso do Pnaes (Programa Nacional de Assistência Estudantil) para subsidiar parte do custo dos bandejões. O governo Jair Bolsonaro (PL) vem reduzindo os valores do programa, que perdeu 18,3% do orçamento apenas nos últimos dois anos —sem contar a correção da inflação.
Para o orçamento do próximo ano, o governo já propôs uma nova redução de 6%. Além do subsídio das refeições, as universidades também usam os recursos do Pnaes para pagar bolsas, moradia e transporte, entre outras ações.
"O recurso do Pnaes que chega às universidades é tão aquém do necessário que, mesmo se fosse usado só para subsidiar as refeições, não seria suficiente. É com ele que temos que garantir todas as outras necessidades dos alunos e não estamos conseguindo", diz Silva.
Criado em 2010 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Pnaes prevê, além do subsídio para alimentação, ações de auxílio financeiro a todos os estudantes com renda familiar de até 1,5 salário mínimo —que hoje já representam mais de 70% dos matriculados nas instituições federais de ensino superior. Como hoje o recurso não consegue atender a todos, as universidades passaram a adotar novos critérios de renda, a maioria só consegue oferecer auxílio a quem tem renda familiar de até meio salário mínimo.
Na UFV (Universidade Federal de Viçosa), os auxílios atualmente só chegam a quem tem renda familiar de um salário mínimo. Para evitar reduzir ainda mais o alcance das bolsas, a reitoria decidiu que irá diminuir o valor do subsídio das refeições para os estudantes com renda superior a essa.
Os bandejões dos três campi da UFV ofereciam almoço e jantar por R$ 1,90 para todos os estudantes. O valor não é reajustado desde 2012, ainda que, em 2020, a universidade subsidiasse quase R$ 7 por refeição.
Para 2022, as empresas terceirizadas pediram reajuste de 30% a 40% dos valores dos contratos. O que, segundo a reitoria, tornou inviável continuar cobrando o mesmo valor dos alunos.
"Em um ano, o governo federal nos repassou R$ 3 milhões a menos do Pnaes e a demanda dos alunos por auxílio só aumentou. Os alunos perderam renda, tivemos que garantir internet e celular para que continuassem a estudar de forma remota. O recurso é escasso e não conseguimos mais subsidiar o mesmo valor das refeições", diz a pró-reitora Sylvia Franceschini.
Em 2020, a UFV recebeu R$ 14,6 milhões do Pnaes. Neste ano, o valor foi de R$ 11,6 milhões.
Por isso, a universidade cogitou retirar todo o subsídio dos estudantes sem vulnerabilidade financeira, o que elevaria as refeições a mais de R$ 9. Os alunos protestaram e a reitoria recuou.
A universidade aprovou então um subsídio total das refeições apenas para os 3.000 estudantes de maior vulnerabilidade, 70% de subsídio para quem recebe até 1,5 salário mínimo e 40% para os demais. Assim, a maioria dos estudantes vai passar a pagar R$ 5,25 pelas refeições.
No último ano da graduação em história, Rodrigo Mattos, 28, não sabe como vai conseguir se manter no próximo ano na universidade com o aumento dos preços. Ele tem uma bolsa de monitoria, que termina no fim de dezembro. A partir de janeiro, sua renda será de R$ 800, sendo que R$ 500 são reservados para o aluguel.
"O bandejão a R$ 1,90 era a certeza de uma refeição completa e saudável, que eu podia bancar. Com o aumento do valor, eu não sei se terei dinheiro para comer até o fim do mês", diz. Ele já está à procura de emprego, mas, como estuda em período integral, tem dificuldade de encontrar vagas.
"É a primeira vez na vida que tenho a preocupação de não ter dinheiro para comer", diz.
Na UFRA (Universidade Federal Rural da Amazônia), o bandejão que era gratuito a todos os estudantes até 2020 passará a custar R$ 13,50. Apenas cerca de 300 estudantes com renda de até 0,5 salário mínimo vão continuar recebendo a gratuidade.
Aluno do curso de engenharia florestal do campus de Belém, Joathan Castro, 19, não se encaixa no perfil para receber o auxílio, mas também não tem condições de pagar o valor integral. "Vou ter aula de manhã e estágio não remunerado na própria universidade à tarde, não tenho como arcar com esses R$ 13,50 por cinco dias da semana".
Na Unipampa (Universidade Federal do Pampa), os valores cobrados por refeição pelas empresas terceirizadas vão ser até 2,4 vezes maiores do que em 2020. Cada campus conta com um contrato diferente. Em Uruguaiana, por exemplo, o valor cheio do almoço ou jantar era de R$ 9,67 em 2020. No contrato para o próximo ano, passará a ser de R$ 23,50.
A reitoria informou que ainda estuda qual percentual desse novo valor conseguirá subsidiar. Com os valores atuais, já gastava quase a totalidade do recurso do Pnaes para garantir o funcionamento dos bandejões.
"Garantir a alimentação do estudante é uma ação de permanência, mas ela não pode ser a única medida ofertada pela universidade. Estudante que passa fome não estuda, mas ele também precisa de outros auxílios e não estamos conseguindo garantir tudo", diz Silva, do Fonaprace.
Na UFG, as refeições que antes custavam cerca de R$ 8 foram reajustadas para R$ 12. A reitoria ainda discute como repassar o aumento, mas já adianta que não irá conseguir manter o subsídio de 60% para todos, como fazia até 2020.
Na UnB (Universidade Brasília), o aumento foi de 17%, mesmo tendo sido mantido o subsídio de 60%.
Procurado, o MEC não informou se tem proposta para aumentar o orçamento do Pnaes no próximo ano ou se estuda alguma forma de garantir mais recursos às instituições de ensino. Em agosto, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, disse que a universidade deveria ser para poucos.
Desde o início do governo Bolsonaro, os investimentos em educação foram os menores da última década.
"Se mantida a política atual, vamos retroceder na inclusão que vimos nos últimos anos quando a universidade federal deixou de ser apenas para os mais ricos. O aluno pobre, que hoje é a maioria dos nossos ingressantes, não vai conseguir concluir seus estudos", diz Silva. (Isabela Palhares/Folhapress)