A falta de um Tim na Argentina
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A Argentina se tornou a maior zebra desta Copa do Catar, ao perder de 2 X 1 para a Arábia Saudita, pela soberba, ou pelas facilidades que encontrou no 1º tempo, quando Messi marcou, de pênalti, aos 5 minutos, e teve três gols anulados por milímetros na revisão do VAR, que encontrou ora uma unha, ora um ombro ou um tufo de cabelo portenho mais avançado que os árabes.
A tática do francês Hervé Renard, treinador dos sauditas, de colocar a zaga quase no meio campo e encurtar o campo de jogo de Messi & cia, deu certo por dois motivos: pela precisão e a incompetência dos argentinos, que, se achando os maiorais, não viram perigo no ataque saudita. Quando acordaram, já era tarde e o goleiro Emiliano Martínez tinha aceitado dois chutes cruzados.
Se tivessem se lembrado de um treinador brasileiro, Elba de Pádua Lima, o paulista Tim, que fez escola na Argentina - foi campeão invicto pelo San Lorenzo de Almagro (o time do Papa Francisco) e de lá indicou ao Flamengo o craque Narciso Doval, que depois foi para o Fluminense -, teriam neutralizado a artimanha. Tim, que era um estrategista, brilhou fora do Brasil. Classificou a seleção do Peru à Copa de 1982, na Espanha, a do desastre do estádio Sarriá, quando o escrete canarinho deu adeus à Copa ao perder de 3 X 2 da Itália.
A linha burra do impedimento
Em 1965, ano do 4º Centenário da Fundação da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, Tim era técnico do Fluminense (clube onde fez dupla com Romeu nos anos 30 e de quem se dizia que “passava meses sem errar um passe”) e enfrentou o poderoso Botafogo de Gerson, Rildo, Garrincha e Leônidas, no Torneio Roberto Gomes Pedrosa, campeonato que inicialmente reunia as cinco maiores equipes do Rio de Janeiro e de São Paulo.
O Fluminense de Tim fora campeão em 1964, numa melhor de três com o Bangu. Dispunha de dois pontas ariscos e velozes: Jorginho, pela direita, e Gilson Nunes, na canhota. O camisa 9 era Amoroso, que jogara no Botafogo. Tim tinha o elenco nas mãos. O técnico do Botafogo, Geninho, resolveu aplicar a linha de impedimento, avançando a zaga quase para o meio de campo.
Tim logo bolou um meio de driblar a armadilha: mandou o ponta direita cruzar a bola para a esquerda e vice-versa. O resultado foi uma das maiores goleadas na história do “Clássico Vovô”: 7 a 2 para o Fluminense com gols divididos entre Gilson Nunes, Jorginho e Amoroso. Durante anos, o botafoguense João Saldanha taxava a tática de “linha burra de impedimento”. Eduardo, meu irmão mais velho, e botafoguense, também chegou em casa espumando contra o Geninho, que foi demitido ao descer as escadas para o vestiário.
O troco de 1957
O pior do vexame é que o Fluminense pagou, com juros, a goleada da final do Campeonato Carioca de 1975, quando o Botafogo de Garrincha, Didi e Nilton Santos, que tinha Saldanha de técnico, aplicou surra impiedosa de 6 X 2 no tricolor, com um show de bola de Garrincha, que desmontou o lado esquerdo da defesa do Fluminense e deu cinco gols para o centroavante Paulo Valentim. Paulinho despertou a cobiça dos argentinos e foi jogar no Boca Juniors.
Comprado ao time das Laranjeiras naquele ano, Didi foi responsável por muitos lançamentos a Garrincha. De tão empolgado, o fleumático Valdir Pereira fez a pé, calçando chuteiras, acompanhado da mulher, Guiomar, o trajeto do Maracanã a General Severiano, onde os botafoguenses foram comemorar a vitória espetacular.
O técnico argentino Lionel Scaloni pode alegar que, além de não ser Tim, e o futebol atual ser muito rápido, o VAR aponta até cabelo em ovo. Na época de Tim, quem sabe alguns gols também não seriam anulados pelo VAR.