Delegada da PF na Lava Jato lavrou 'depoimento fake' de testemunha; STF vai investigar
Procuradores dizem em conversas hackeadas que ela lavrou depoimento sem ter de fato ouvido um delator; ela tuou no caso do reitor catarinense que se suicidou
O ministro da Justiça, André Mendonça, foi questionado por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a revelação de que a delegada Érika Marena, que coordenou investigações da Lava Jato, lavrou o depoimento de uma testemunha sem que ele tivesse ocorrido de fato. O ministro, ao qual a PF é subordinada, afirmou que averiguaria os fatos.
O procedimento de Marena foi revelado em diálogos entre os procuradores Deltan Dallagnol e Orlando Martello Júnior que foram hackeados.
Na conversa, Dallagnol disse que Marena poderia “sair muito queimada nessa” e que “pode dar falsidade contra ela”.
O Ministério Público Federal do Paraná afirma que o depoimento citado foi do delator Fernando Moura, que disse uma coisa à PF e depois negou perante a Justiça. “É natural que possa ter havido questionamentos e especulações, entre os procuradores, sobre terem havido todos os cuidados necessários na colheita do depoimento” pela PF, diz o MPF.
Em momento posterior, ficou demonstrado que “todos os depoimentos do colaborador na Polícia Federal foram tomados com sua presença acompanhada de advogados”.(Monica Bergamo/Folhapress)
Foi assessora de Moro no Ministério da Justiça, diz o Consultor Jurídico
Erika Marena foi a delegada responsável pela operação que perseguiu reitores em Santa Catarina, prendendo ilegalmente Luiz Carlos Cancellier, então reitor da UFSC e que se suicidou depois de uma humilhação pública com acusações de corrupção na universidade. Em 2018, ela foi convidada por Sérgio Moro para integrar a equipe dele no Ministério da Justiça. Depois da saída dele, acabou exonerada.
Nos diálogos, os procuradores da Lava Jato revelam que Erika praticou uma falsificação. Pensando atender a pedidos dos procuradores, Erika criou um falso termo de depoimento, simulando ter ouvido a testemunha com escrivão e tudo, “quando não ouviu nada”.
A constatação consta de diálogo mantido entre os procuradores Deltan Dallagnol e Orlando Martello Júnior em janeiro de 2016. Nele, eles relatam o que contou uma delegada da Polícia Federal chamada Erika.
"Como expõe a Erika: ela entendeu que era pedido nosso e lavrou termo de depoimento como se tivesse ouvido o cara, com escrivão e tudo, quando não ouviu nada... Dá no mínimo uma falsidade... DPFs são facilmente expostos a problemas administrativos", disse Deltan.
Orlando Martello Júnior mostra preocupação com a possibilidade de esses problemas administrativos levarem ao descrédito da força-tarefa de Curitiba. Diz que “se deixarmos barato, vai banalizar”.
Então propõe uma saída: “combinar com ela de ela nos provocar diante das notícias do jornal para reinquiri-lo ou algo parecido. Podemos conversar com ela e ver qual estratégia ela prefere. Talvez até, diante da notícia, reinquiri-lo de tudo. Se não fizermos algo, cairemos em descrédito”.
A sequência do diálogo, segundo a defesa de Lula, mostra que o uso de depoimentos forjados era algo reiterado pelo grupo de procuradores de Curitiba. O diálogo segue na mensagem de Martello Júnior a Deltan Dallagnol.
“O mesmo ocorreu com padilha e outros. Temos q chamar esse pessoal aqui e reinquiri-los. Já disse, a culpa maior é nossa. Fomos displicentes!!! Todos nós, onde me incluo. Era uma coisa óbvia q não vimos. Confiamos nos advs e nos colaboradores. Erramos mesmo!”, diz.
A preocupação é, também, com a eficiência das colaborações premiadas que a força-tarefa fez uso. “Se os colaboradores virem uma reação imediata, vão recuar. O Moura quer ficar bem com JD e demais, ao mesmo tempo em q se da de bobo e nada acontece com ele. À prova, igualmente, fica prejudicada”, complementa Martello Júnior.
“Concordo, mas se o colaborador e a defesa revelarem como foi o procedimento, a Erika pode sair muito queimada nessa... pode dar falsidade contra ela... isso que me preocupa”, responde Deltan.
As mensagens entre procuradores foram apreendidas no curso da chamada operação "spoofing".(ConJur)