JUSTIÇA
Decisão do STJ pode alcançar outros integrantes do ‘clã Bolsonaro’
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Publicado em 01/03/2021 às 07:03
Alterado em 01/03/2021 às 07:04
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) pode beneficiar direta e indiretamente pelo menos quatro membros da família e círculo próximo do presidente Jair Bolsonaro se decretar nesta semana a nulidade total das investigação na qual o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) foi denunciado à Justiça por liderar um esquema de “rachadinhas” e assessores fantasmas na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) – um desvio calculado na acusação formal de pelo menos R$ 4 milhões dos cofres públicos.
Além do filho mais velho, a nora Fernanda Antunes Figueira Bolsonaro (mãe de duas netas do presidente)e a ex-mulher Ana Cristina Siqueira Valle (mãe do filho Renan Bolsonaro) são investigadas. A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, teve o nome envolvido nas investigações. A atual mulher não foi alvo do inquérito do Ministério Público do Rio, mas a quebra de sigilo bancário dos investigados revelou depósitos em sua conta – no valor total de R$ 89 mil – vinculados a Fabrício Queiroz, o ex-assessor de Flávio na Alerj e acusado pelos promotores de ser o principal operador dos desvios e da lavagem do dinheiro.
A Quinta Turma do STJ deve julgar nesta terça-feira, 2, mais dois recursos da defesa de Flávio Bolsonaro, que buscam a nulidade total do processo investigatório. Os advogados do senador pedem a invalidação do relatório do Coaf, origem do procedimento de investigação do MP – revelado com exclusividade pelo Estadão -, e a anulação de todos os atos do juiz da primeira instância, Flávio Itabaiana.
Se os pedidos forem aceitos pelo colegiado, não só a primeira denúncia do caso, apresentada em novembro à Justiça, como as provas levantadas pelo MP em dois anos de apuração deixarão, na prática, de valer legalmente. Livrando o filho mais velho do presidente, sua nora, o amigo Queiroz, suas filhas e os primeiros denunciados.
Em decisão da maioria – com destaque para o voto de vista do ministro João Otávio de Noronha –, a Quinta Turma acatou na semana passada um primeiro recurso da defesa de Flávio, anulando a base de prova principal da primeira denúncia do caso: a quebra dos sigilos fiscal e bancários dos acusados.
À partir do voto de Noronha, outros três ministros do colegiado derrubaram o entendimento do relator, ministro Félix Fischer, que se declarou contra o pedido da defesa do senador – mesmo entendimento já dado pelo Tribunal de Justiça do Rio e pelo parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR).
O relator do caso no STJ havia negado os recursos da defesa de Flávio Bolsonaro, que buscavam rever decisão negativa do TJ do Rio nos pedidos. Em seus votos, o ministro considerou que a quebra dos sigilos, o uso dos relatório do Coaf nas apurações e os atos do juiz da primeira instância foram válidos. Sobre a decisão da semana passada, Félix Fischer argumentou que há muito a Corte aceita decisões sucintas como a de Itabaiana, derrubada pelo colegiado.
Fatiamento. A anulação da denúncia e dos atos do juiz da primeira instância pode, direta ou indiretamente, gerar um efeito dominó, derrubando outras investigações ainda sigilosas do caso, que envolvem o clã Bolsonaro e pessoas ligadas a eles. É que o MP decidiu fatiar as apurações e apresentar acusações separadas contra núcleos e crimes específicos. Foram abertos ainda, nesses quase três anos de apuração, outros procedimentos e recolhidos dados ainda sob análise, que levarão a novas frentes de descobertas.
A denúncia inicial de 400 páginas contra Flávio Bolsonaro registra em mais de um trecho a estratégia do MP. Nela, os promotores avisam: a acusação era feita “sem esgotar o objeto” do procedimento originário das apurações. “(A apuração) prosseguirá em autos desmembrados para apurar a prática de outros fatos delituosos e responsabilizar os demais coautores ou partícipes da organização criminosa.”
Efeito. A reportagem do Estadão ouviu investigadores e pessoas relacionadas ao inquérito, que avaliam que a nulidade da denúncia contra Flávio Bolsonaro e provas essenciais como a quebra de sigilo bancário e fiscal dos alvos levará, em cadeia, uma série de outras investigações para a estaca zero.
Um dos casos ainda a ser alvo de acusação ou não é o dos crimes atribuídos ao núcleo da família Siqueira Valle – termo usado nos autos pelo MP –, que inclui a ex-mulher de Bolsonaro. Mãe de Renan Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle é a segunda esposa do presidente. Com residência e atuação política na região de Resende (RJ), endereços da família foram alvos de busca.
O MP diz que o núcleo foi o que mais concentrou casos de saques em quase a totalidade dos valores recebidos da Alerj, no período investigado. O ex-sogro do presidente, por exemplo, José Cândido Procópio da Silva Valle, empregado no gabinete de Flávio, apesar de morar em Resende, sacou 99,7% da sua remuneração – entre 2003 e 2004. Além dele, outros cinco parentes chegaram a sacar mais de 90% de seus rendimentos.
Outra frente de investigação em risco é a que apura suspeitas de lavagem de dinheiro na compra e na operação da loja Bolsotini Chocolates e Café, que o senador, sua mulher e o sócio Alexandre Dias Santini adquiriram, em um shopping da Barra da Tijuca. O negócio teve as contas quebradas, bem como o sócio, e há indícios de enriquecimento e uso do negócio para lavagem de dinheiro desviado da Alerj.
A compra da loja da franquia da Kopenhagen, no final de 2014, e a movimentação financeira com as vendas de chocolates, desde 2015, podem ter servido para lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito do senador, suspeitam investigadores. A loja foi entregue esse ano pelos sócios. A quebra de sigilo mostrou que ao menos R$ 2,1 milhões podem ter sido “legalizados” no negócio.
Outras apurações conexas ainda sigilosas, como elos com o sargento da PM Diego Sodré de Castro Ambrósio, dono da Santa Clara Serviços, empresa de segurança, suposta lavagem de dinheiro em imóveis do senador e vínculos com familiares do ex-policial militar Adriano Magalhães da Nóbrega (morto em fevereiro de 2020, na Bahia), o Capitão Adriano, também ficam prejudicadas.
Após julgamento no STJ do primeiro recurso da defesa, que derrubou a validade da quebra do sigilo bancário e fiscal dos alvos, o Ministério Público do Rio informou em nota que ‘analisará as medidas’ a serem adotadas.
‘Perseguidos’. O senador Flávio Bolsonaro considerou que o STJ confirmou aquilo que ele e sua defesa jurídica sustentam desde o início do caso: de que ele é inocente e que é vítima de uma investigação e um processo ilegais, com interesses políticos, que buscam atingir seu pai, o presidente da República.
Na investigação e em entrevistas, o senador e sua defesa afirmam que os recursos e bens da família são legais e comprovados. Procurados pela reportagem, o senador e Frederick Wassef autor do recurso, não se manifestaram.
Em entrevista ao SBT, na semana passada, após o julgamento do primeiro recurso, Flávio afirmou que os ministros reconheceram que ele vem “sendo perseguido por alguns poucos promotores do Rio de Janeiro”, em “conluio com o juiz da primeira instância Flávio Itabaiana”. O senador atacou a amplitude da quebra de sigilo, que atingiu sua mulher, Fernanda Bolsonaro. Wassef disse que as decisões da apuração foram “ilegais, arbitrárias e sem qualquer fundamentação.
A defesa de Queiroz afirma, nos autos, que as transações efetuadas são explicáveis, não havendo envolvimento do cliente com crimes. O TJ recebeu na quinta-feira a decisão do STF e deve nessa semana decidir se solta o ex-assessor. Ele e a mulher, Márcia Oliveira de Aguiar – que também era assessora e suspeita de ser parte das “rachadinhas” –, estão em prisão domiciliar.
As defesas da família Siqueira Valle e os outros citados foram localizados. Os advogados da ex-mulher do presidente também já recorreram aos tribunais contra as apurações.(Agência Estado)