Ação de demarcação de terra indígena na Bahia está no STF desde 1982 

Por Luiz Orlando Carneiro, Brasília 

A polêmica demarcação da chamada terra indígena Caramuru-Paraguassu, de 54 mil hectares, que a Fundação Nacional do Índio quer destinar, exclusivamente, aos índios pataxós hã-hã-hãe — há muito aculturados — é objeto de uma ação cível originária da Fundação Nacional do Índio (Funai) que tramita no Supremo Tribunal Federal desde novembro de 1982 (ACO 312). A área é situada nos municípios de Camacan, Pau-Brasil e Itaju do Colônia, onde há  mais de 30 fazendeiros e a empresas agropecuárias.

Em dezembro de 2008, o então relator, ministro Eros Grau, deferiu liminar para assegurar a permanência de comunidade indígena pataxó na Fazenda Bom Sossego, localizada no município de Pau Brasil (BA), que tem parte de seu território abrangido pela Reserva Indígena Caramuru/Catarina/Paraguassu. A ação foi ajuizada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) contra tentativa de reintegração de posse do imóvel por um servidor público. “Em razão da tensão social verificada na área do litígio, com sérios riscos à comunidade indígena”, o ministro suspendeu a ação de reintegração de posse até o julgamento final da ACO 312.

Ação principal

A ação principal começara a ser julgada em setembro daquele ano, com o voto favorável de Eros Grau, mas o ministro Menezes Direito pediu vista dos autos. Não chegou a proferir o seu voto, já que ficou doente, e morreu um ano depois. O ministro Dias Toffoli, nomeado sucessor de Direito, teve de se declarar impedido por ter atuado no processo na qualidade de advogado-geral da União.

Os autos do processo estão com a ministra Cármen Lúcia que, no fim do ano passado, conseguiu incluir a ação em pauta, mas acabou atendendo a pedido do governo da Bahia para adiar o julgamento, com a seguinte justificação: “Defiro o pedido para que esta ação cível originária, incluída na pauta de julgamento de 20.11.2011, seja adiada, determinando ao requerente comunique a este Supremo Tribunal o prazo mínimo necessário para que se adotem as providências para garantia de tranquilidade e cumprimento da decisão que vier a ser adotada neste julgamento, o qual está pendente de continuidade sendo mister seja terminado, conforme reiteradamente pleiteado e para o que estou habilitada”.

Funai e MP

Para a Funai, autora da ação, os títulos dos não índios advêm de “transmissões ilegais e inconstitucionais do Estado da Bahia”, sendo as terras em questão do domínio da União e da posse indígena. De acordo com a papeleta do julgamento, os fazendeiros “aduzem que são legítimos senhores e possuidores dessas terras”, nas quais se estabeleceram ao longo do século passado, “adquirindo títulos regulares que jamais foram impugnados; e que nem os pataxós, nem outras tribos, ocuparam a suposta reserva indígena mencionada, na qual apenas transitavam raríssimos índios, até que veio a ser desativada por volta de 1970”.

Nos autos da ação, o Ministério Público Federal deu parecer favorável à Funai, no sentido de que a perícia antropológica judicial e outras provas produzidas nos autos são favoráveis aos indígenas, e que a demarcação da reserva foi feita em 1930, com base numa lei estadual de 1926. Ainda de acordo com o MP, apesar de a demarcação ter ocorrido há mais de 70 anos, a área foi gradativamente ocupada e arrendada pelo Estado da Bahia e pelo extinto Serviço de Proteção ao Índio a diversos fazendeiros. Lembra que a questão fundiária tem gerado graves conflitos na região, com mortos, feridos e desaparecidos, e se refere à “repercussão nacional” da morte do índio Galdino Jesus dos Santos, incendiado em Brasília por jovens de classe média, em abril de 1997, quando — em companhia de uma comitiva — deixara a reserva para vir a Brasília, a fim de pedir auxílio ao MPF na solução do impasse.

Voto de Grau

O voto do ministro-relator original, Eros Grau, partiu do princípio de que como a ação chegou ao STF em 1982, deveria ser analisada à luz da Constituição de 1967, então vigente. No seu entendimento, “não há títulos de propriedade válidos no interior da reserva, anteriores à vigência da Constituição Federal de 1967.”  

Assim, Eros Grau reconheceu a nulidade de todos os títulos das terras que se encontram dentro da reserva indígena do sul da Bahia, considerando-as tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e, portanto, como de domínio da União, para “usufruto dos índios”. Eros Grau analisou a situação fundiária da região a partir dos laudos realizados pela Funai, concluindo que os pataxós já estavam presentes naquelas terras bem antes da Constituição de 1967.